Em terapia sempre? Talvez...

Em terapia sempre? Talvez...

Minha terapeuta me fez montar uma tabela de metas para 2010. Dentre elas abandonar o meu marido que estava me deixando triste*”

“Cheguei até aqui porque não aguento mais psicólogos me dizendo o que devo fazer*”

* Relatos de alguns fragmentos de meus casos clínicos devidamente modificados em sua forma, mas não o conteúdo, para preservar a privacidade dos pacientes

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Praticamente copiei o titulo do texto que meu colega e quase xará Fernando Ferreira Fernandes traduziu do New York Times, mas com uma pequena mudança. As reticências indicam que a terapia, na visão de um psicanalista, pode ser (ou não) um processo contínuo e longo (a psicanálise é também chamada de “psicoterapia dinâmica de longa duração”). 

O verdadeiro autor do texto “In Therapy Forever? Enough Already” é Jonathan Alpert, um psicoterapeuta nova-iorquino (desculpe a sinceridade e certa ironia, cujo site pessoal mais parece uma loja de departamentos... com escritos garrafais COMPRE O LIVRO!). Vou escrever este texto sem ironias e como se estivesse conversando com o Fernando mesmo. Não espero criar nenhum tipo de embate, pois psicanalistas e cognitivos/comportamentais concebem diferentemente o ser humano e vejo as TCCs como ferramentas bastante úteis em alguns casos. Admiro e respeito Frederic  Skinner e Aarom Beck.    

Percebe-se que alguns pacientes acusam “melhora” em poucas sessões, de 4 à 10. Mas há que se perguntar se essa melhora se estruturou de fato. Para o psicanalista o sintoma - ou o que está de fato incomodando o paciente - não é uma dor no dedão esquerdo, quero dizer, não é simples como uma dor localizada ou uma injúria, e sim um processo histórico que pode ter se desenvolvido ao longo de toda vida do paciente e se condensa numa questão simples, por exemplo: “Não aguento mais essa minha mania de maltratar as mulheres, sempre me dou mal.” 

Posto que o sintoma pode ser complexo e amplamente associado à outros aspectos importantes da personalidade do sujeito, a atuação do psicoterapeuta não pode ser unicamente no sentido de sugerir conselhos, métodos de atuação e dicas em um número x de passos. 

Mas há pessoas que desejam isso. Já chegam na entrevista inicial e pedem conselhos e dicas. Eu digo que é aí que a porca torce o rabo e, neste momento, concordo com o colega Fernando de que há muitos terapeutas de má fé por aí que são obscuros quanto aos métodos e objetivos de seu trabalho. É nesse momento que o psicanalista ou o terapeuta deve explicar exatamente como faz seu trabalho. Eu como psicanalista deixo claro que o processo pode ser longo, pode ser doloroso e que aqui não é lugar de conselhos, porque na imensa maioria dos meus pacientes (exatos 88%) vieram de psicoterapias curtas que prometiam melhora rápida de sintomas cujos terapeutas viraram uma espécie de amigo e acabavam batendo papo e aconselhando isso ou aquilo. Afinal de contas, conselhos e dicas pedimos aos nossos pais ou amigos quando não somos capazes de decidir e pensar. Na psicanálise o paciente muitas vezes pela primeira vez sai da posição de filho desamparado, dependente e incapaz de pensar por si próprio e inicia seu percurso – de fato angustiante - como um ser humano menos dependente, mais consciente de seus desejo, portanto, pensa melhor e age melhor (o que no fim a TCC busca).

Um complicador das terapias pela fala é que o que o paciente diz não necessariamente é a “verdade”. Ou seja, não necessariamente representa uma verdade do ponto de vista subjetivo do paciente e sim um resultado de conflitos de outras forças e movimentos psíquicos. Muitas e muitas vezes vi em 2 meses pacientes mudarem completamente o discurso, reconhecerem que não sentiam verdadeiramente algo, mas sim “sentiam de mentira”, sentiam para agradar alguém, sentiam para conseguir algo de alguém.

Utilizando o exemplo do colega Fernando: Um paciente me diz que está infeliz com seu relacionamento. Cabe a pergunta “Mas o que você está sentindo?

Acho que cabe.

Muitas vezes o sujeito sente-se infeliz com algo por causa direta dos pais, dos amigos, do trabalho e outras coisas relacionadas e perguntar neste momento “Como você se sente” ou simplesmente ficar em silêncio, faz com que o sujeito busque em sua mente os motivos pelos quais se sente infeliz, divagar sem pressa, tentando encontrar associações de fatos, ideias e pensamentos. Vi várias vezes uma infelicidade no relacionamento ser transformar em ódio ou na mais profunda admiração; o que confirma nossa idéia ou pressuposto de um psiquismo dinâmico e em boa parte inconsciente. 

Para finalizar. O contrato que se faz com qualquer analista ou terapeuta deve ser claro. O psicanalista (pelo menos na psicanálise que conheço) recebe o paciente, dá as regras e o trata como adulto que deve saber o que faz. Logo de início o paciente sabe que o processo pode ser longo; pode ser doloroso e pode ser interrompido a qualquer momento. A psicanálise não visa aconselhamentos ou dicas porque visa a independência do pensamento, da atitude do sujeito, e que ele aprenda a pensar e agir do seu próprio modo, em seu próprio ritmo e tempo.

Crescemos seguindo regras de comportamento de nossos pais. As livrarias estão cheias de livros de autoajuda. Cada vez mais o estado interfere na vida privada. Cada vez mais a mídia dita o que fazer e o que não fazer. Ou seja, o mundo está repleto de guias e gurus que se colocam na posição de que sabem trilhar caminhos que na verdade não são tão retilíneos. No consultório de psicanálise isso não vale (não deveria valer) e muitas vezes é o único espaço que se tem para refletir sobre isso e começar a agir como adulto para amar, trabalhar e levar uma vida razoavelmente satisfatória.

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Este texto foi inspirado em um texto traduzido de Fernando Ferreira Fernandes e pode ser lido em https://www.comportese.com/2012/04/em-terapia-pra-sempre-basta.html

 

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