Há contentamento na liberdade?
Dia desses pude ler uma matéria assustadora no site G1: “Jovens estudantes tentam refundar partido símbolo da ditadura militar” Sim, o velho partido ARENA (Aliança Renovadora Nacional) que foi um partido político brasileiro criado em 1965 com a finalidade de dar sustentação política ao governo militar instituído a partir do Golpe Militar de 1964.
Segundo sua idealizadora, a estudante de direito Cibele Bumbel Baginski, 23 anos, a nova Arena rechaça a possibilidade de atrair grupos extremistas, com tendências fascistas ou neonazistas, por exemplo. É quase uma piada quando vemos uma foto de Cibele, que estampa a matéria do site, posando ao lado de um tanque de guerra.
Sigmund Freud alertou em certo texto que a religião e toda forma de fanatismo tendem a cair em desuso com o avanço científico, mas ele errou feio. Observamos na pós-modernidade um avanço rápido tanto de grupos religiosos quanto de ideias conservadoras. Pesquisa feita em São Paulo pelo instituto Data Popular, que especializou-se em aferir os hábitos de consumo e de vida da “classe média” emergente que surgiu no Brasil nos últimos 15 anos, constatou que 51% dos paulistanos preferem uma “ditadura competente” a uma “democracia incompetente”. Nesse contexto, somam se os ataques do PCC aos policiais em todo o Brasil e pronto: justifica-se a ideia de um endurecimento da política às custas da perda de liberdade individual.
Esse ponto muito me interessa: a liberdade foi uma conquista que prezamos e valorizamos ou uma maldição divina, imposta à humanidade desde seu nascimento, fato ilustrado pelo mito de Adão e Eva?
Penso que o ser humano não lida muito bem com a liberdade individual. Talvez porque o próprio conceito de individuo é recente. A idéia do homem como centro do universo, que usufrui de autonomia do espírito, liberdade da razão e exercício da vontade, é central na passagem do mundo medieval ao mundo moderno - cujo marco é a Revolução Francesa - e torna possível a afirmação do indivíduo como princípio e como valor. Posteriormente, isso que era chamado de modernismo desemboca no pós-modernismo, que podemos definir como uma era “líquida”.
Zygmunt Bauman diz que “Líquidos mudam de forma muito rapidamente, sob a menor pressão. Na verdade, são incapazes de manter a mesma forma por muito tempo. No atual estágio “líquido” da modernidade, os líquidos são deliberadamente impedidos de se solidificarem. A temperatura elevada — ou seja, o impulso de transgredir, de substituir, de acelerar a circulação de mercadorias rentáveis — não dá ao fluxo uma oportunidade de abrandar, nem o tempo necessário para condensar e solidificar-se em formas estáveis, com uma maior expectativa de vida”.
Assim, por mais que tenhamos um discurso científico cada vez mais pertinente, exato e sedutor, que nos traz algumas “certezas sólidas” acerca da realidade, há por outro lado uma angustia de um certo desamparo de estarmos sozinho no universo que não cessa, uma incerteza crônica que nos cria uma demanda por respostas. E vamos buscar essas respostas na maioria das vezes em sistemas religiosos ou políticos que, ao mesmo tempo, nos tragam certas certezas para nossa vida cotidiana e amparo afetivo. Esse é o protótipo da relação paterna que a criança experimenta em seus primeiros anos de vida: um pai duro e terno. Os sistemas políticos democráticos pecam nisso, assim como a ciência também: eles são duros com o ser humano ao torná-los livres e portanto amedrontados. A religião e os sistemas políticos totalitários remontam a um relacionamento primitivo, punitivo, em que a liberdade é evitada porque nela há invariavelmente a dor do desamparo.
Uma retomada de valores tradicionalistas, conservadores é evidente, basta vermos o Facebook de cada dia e a mídia. A classe media vai exigir isso daqui 20 anos. Adolf Hitler tornou-se o chefe do partido nazista em 29 de julho de 1921. Em meados de 1937 ele se torna ditador.
Fica esse dado para pensarmos.