Mais médicos! Mais estrutura! Mais tudo!

Mais médicos! Mais estrutura! Mais tudo!

Não sei se consigo me posicionar definitivamente sobre a "vinda dos médicos cubanos ou estrangeiros" ou sobre a "reforma no ensino da medicina". Para mim, leigo nas questões burocráticas da profissão, tudo me parece positivo; posto que os números divulgados apontam para um baixo número de médicos em certas regiões do país e pelo fato de que médicos cubanos, são, no final das contas, médicos... e bons médicos (sobre medicina e médicos e cubanos, leia este artigo publicado no The New England Journal of Medicine, www.bit.ly/1aVrxti)  

No Sudeste, por exemplo, há 26 médicos por 10.000 habitantes, taxa superior à dos Estados Unidos (24), Canadá (20) e Japão (21). Mas, nos estados do Norte, são 10 médicos para cada 10.000 pessoas, abaixo da média nacional de países como Trinidad e Tobago, Tunísia, Tuvalu, Vietnã, Guatemala, El Salvador ou Albânia. No Nordeste, a taxa é de 12 médicos para cada 10.000 pessoas — no Maranhão, chega a 7 médicos por 10.000, taxa equivalente à da Índia ou do Iraque. (Dados da Organização Mundial da Saúde, OMS)

Justificativa comum das entidades médicas é que os médicos não desejam trabalhar em certas regiões do Brasil porque não há condições de trabalho. Estão certos. Segundo o Ministério da Saúde, em 2010 foram investidos 3,7% do PIB no setor. A OMS recomenda no mínimo 8%. Há baixos salários, há violência, não existem equipamentos básicos. Consideram uma falácia do governos essa medida de trazer médicos estrangeiros, pois seria óbvio primeiro acertar a infraestrutura do sistema para que depois, naturalmente, os médicos atraídos por bons salários e boas oportunidades, preenchessem essas vagas, certo?

Acho que não.

Penso que um médico formado, entre trabalhar na cidade em que se formou ganhando 5, e trabalhar em “Perimboca do Norte” ganhando 10, vai preferir a primeira opção. E a justificativa é simples: é mais confortável. 

Dr. Miguel Srougi é professor de Urologia da USP, diz que os médicos não vão trabalhar nesses rincões distantes porque lhes faltam condições e comodidades. Ele questiona: “O que ele (médico) vai fazer em seu cotidiano? O que a mulher dele vai fazer num local desses? Em que escolas os filhos vão estudar? Eles vão embora... não vão ficar...” É esse o ponto. Os médicos, com certa razão, prezam pelos seu bem estar. Mas quem não preza?

Os números não mentem. Faltam sim médicos que se “submetem” à um trabalho que esteja um pouco além ou aquém de seus desejos. Tem muito médico que se formou para gozar de um status que só as cidades da região sul e sudeste podem dar. E muitos desejam gozar deste status perto de seus familiares e conhecidos. Ter casa, ter carro, ir ao Shopping, ir ao cinema... É fato.

Quem conhece o estudante de medicina sabe que boa parte são pessoas de famílias com boas condições, desejam atender em consultório particular e não estão muito ligados à questões sociais. O estudante de medicina é um sujeito urbano. Escolheu a profissão pelo status e a facilidade de se conseguir emprego e bons salários. Poucos tem a medicina como um ofício de importância social.

Mas como ficam as pessoas que precisam de médico para conter uma diarréia? Como fica uma mãe que só precisa de uma orientação banal com seu bebê? Como ficam as pessoas que precisam de médicos para consultas simples? Como ficam as pessoas que moram onde o progresso não chegou? Onde não há cinema e nem shopping?

As medidas do governo vão colocar o seguinte: Você quer estudar medicina? Ótimo! Mas vai ter que devolver algo para o Estado antes de montar sua clínica e atender particular.

Mas posso falar uma coisa: Os médicos parecem ter adquirido certa antipatia das pessoas. Isso acontece por várias razões sabemos.

Quem são os alunos de medicina? São pessoas abastadas que formam uma pequena elite que estudou em bons colégios particulares. Quem não foi mal atendido por médicos que mal olhavam na sua cara, davam um analgésico e pronto e acabou? E não estou falando de lugares distantes, estou falando de Ribeirão Preto, a "Califórnia Brasileira". Tanto o SUS quanto qualquer plano de saúde particular sofre do mesmo problema. É difícil marcar consulta e quando você consegue marcar, tem um tratamento bem “mais ou menos”. Já perdi a conta das vezes que eu ouvi reclamações de diversas pessoas falando da dificuldade em marcar consultas, diagnósticos errados e tratamento desigual. Uma vez um paciente me contou que o psiquiatra do plano de saúde disse: “Olha, se você quiser fazer uma psicoterapia boa mesmo, eu faço no particular. Se for pelo plano vai ser meia boca mesmo, ok”?  

O Sistema é ruim, ok! Mas tem muito médico ruim também, certo?

E isso, em diferentes especialidades, e em diferentes níveis da nossa vida se repete. Quer serviço bom? Pague por isso. De certa forma isso acontece em qualquer serviço público. Serviço público virou sinônimo de serviço ruim. A culpa não é toda dos médicos, é verdade, mas eles são parte importante desse sistema. Devem defender boas condições de trabalho, mas devem sobretudo mudar o perfil dos alunos que despejam no mercado, rompendo com a ideia de que medicina é um curso para você ser chamado de doutor sem ter doutorado, andar de jaleco branco por aí e ganhar uma boa grana dando plantão (“Se tudo der errado, vou dar plantão e ser feliz”, dizia um conhecido meu).

Termino com a frase do cardiologista e ex-ministro da saúde Adib Jatene, que faz um bom diagnóstico sobre a responsabilidade dos médicos nesse processo: “O ensino médico está formando candidatos à residência médica. Isso estimula a especialização precoce. Precisamos formar um médico capaz de atender a população sem usar a alta tecnologia. O médico precisa se transformar num especialista de gente.

 

 

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