Na porrada!

Na porrada!

“O que está em jogo é a necessidade humana de controlar o que é novo e diferente e como reagimos se isso foge completamente do nosso controle.”

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A maioria dos brasileiros já apanhou dos pais, já bateu nos filhos e é contra o projeto de lei do governo federal que proíbe palmadas, beliscões e castigos físicos em crianças, conforme pesquisa feita pelo Datafolha, publicada em (26/7/2010) pela Folha de São Paulo e agora em 2011 o projeto (com chamada “Lei da Palmada” que vai alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente) está em vias de ser aprovado.

E então aparecem pessoas dizendo: -“Eu apanhei quando pequeno e estou aqui: Feliz e saudável. Esta lei é um absurdo.” Depoimento no mínimo superficial. O sujeito considera a sua experiência própria como único parâmetro da realidade. Pergunto às pessoas que têm esse tipo de discurso: Como seria se você não tivesse apanhado de seus pais, mesmo que pouco ou de leve? Como seria se você tivesse sido educado de outra forma? Impossível de responder. Mas temos pistas.

A separação materna precoce ou a estimulação aversiva em ratos recém nascidos ocasiona mudanças cerebrais importantes relativas à resposta ao estresse, só para dar uma referência de laboratório animal. Resultados desse tipo são encontrados em seres humanos também, sabemos. Cerca de 70% das crianças e adolescentes envolvidos com bullying (violência física ou psicológica ocorrida repetidas vezes) nas escolas sofrem algum tipo de castigo corporal em casa. É o que mostra pesquisa feita com 239 alunos de ensino fundamental em São Carlos (232 km de SP) e divulgada nesta terça-feira pela pesquisadora Lúcia Cavalcanti Williams, da Universidade Federal de São Carlos.

Não quero dizer que se você maltrata bebês ou crianças eles serão obrigatoriamente mais estressados ou diabólicos, mas é uma boa pista. É difícil estabelecer uma relação de causa e consequência na determinação do comportamento humano, de modo que um adulto que apanhou muito quando criança pode ser um gênio matemático ou um ótimo vendedor de seguros residenciais ou um médico respeitado ou também não conseguir arrumar uma namorada. O que não sabemos é estimar onde exatamente a palmada influi, para bem ou para mal, na personalidade do sujeito, embora muita gente por aí afirme que sabe dessa relação.

O fato é que não temos a mínima paciência com coisas que fogem ao nosso controle. Prova disso é que todo esforço da humanidade vai no sentido de controlar a natureza. Construímos pontes que ultrapassam obstáculos, casas que nos protegem do frio e de outros bichos, e uma infinidade de aparelhos para tornar fácil nosso controle sobre o mundo externo (carros, aviões, armas, etc.) O que não conseguimos criar ainda é uma forma de controlar aquele “mini-diabo” que chora, esperneia e vai ficar independente, na melhor das hipóteses, daqui 20 anos. Aliás, a medicina bem que tenta ajudar os pais, criando novas síndromes como o Transtorno de Déficit de Atenção - a famosa TDA - ou o (pasmem!) Transtorno de Oposição e Desafio (TOD).

O que está em jogo é a necessidade humana de controlar o que é novo e diferente e como reagimos se isso foge completamente do nosso controle. Uma criança ou adolescente é necessariamente um subversor. Subverte o cotidiano da casa, subverte o próprio relacionamento que os pais tinham antes de sua chegada e traz os novos conflitos para dentro de casa. E isso traz obviamente insegurança aos pais que, segundo alguns especialistas, não sabem criar os filhos pois não aprenderam a fazê-lo. Neste ponto de vista os pais precisam ser educados para serem pais pois, a ciência comportamental sabe (ou melhor, diz que sabe) como criar um filho adequado. A velha história do saber científico definindo os costumes como se a ciência fosse a voz de alguém muito mais sábio que o próprio Deus cristão. O problema fica complicado quando um adolescente de família rica, que sempre teve tudo na vida, era amigável, atencioso e adorado pela comunidade dispara tiros de metralhadora na escola. Nesse momento os mesmo especialistas que estabelecem relações da causa e consequência na criação de um filho se calam.

A reação violenta dos pais frente a pirraças dos pirralhos nos mostra quão impotentes estão os pais frente a tarefa de ser pai. Porque hoje em dia para ser pai é quase preciso que você tenha diploma e que saiba muito de psicologia e sociologia. Fala se muito em limites, fala se muito em amor, mas não sabemos o que de fato é fundamental na criação de um ser humano saudável.

Para terminar, penso que a lei pode ter caráter informativo importante e sou a favor. Torço para que aprovem. Mas obviamente não acredito que botará fim na complicada relação de amor e ódio que envolve pais e filhos. Isso nunca termina. 

 

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