O Chico é gente boa!

O Chico é gente boa!

Não podia imaginar uma coisa dessas. O Papa beijando e abraçando as pessoas, sorrindo e falando em revolução contra “uma vida descartável”. Como total contrassenso, fomos obrigados a ouvir Luan Santana, um dos maiores representantes do estilo de música e de vida descartáveis (balada sem fim, beijar e comer todo mundo e etc.). Não sei quantas vezes ouvi que “o Papa quebrou o protocolo mais uma vez”, mas minha impressão é de que o tal protocolo não foi quebrado e a Igreja Católica sabe muito bem o que está fazendo e está muito bem afinada com o espírito do tempo.

Nosso tempo exige uma igreja conservadora sim, mas que bote as pessoas na linha novamente. Para isso precisa de uma linguagem menos sisuda, mais alegre, que propague mais a felicidade e não o medo e culpa, com uma nova roupagem; mas essencialmente conservadora no que diz respeito à sexualidade humana (aborto e homossexualidade).

O discurso muda, e fica assim: “Aceite Jesus em seu coração e será feliz” e não mais “Ou você aceita Jesus, ou será um miserável queimando no inferno”. Isso faz toda diferença. Católicos são menos disciplinados, pagam menos à Igreja, vão menos à missa. São um tipo mais “relax” de religioso. A culpa e medo, fundamentais para qualquer tipo de adesividade religiosa, ficou mais leve no catolicismo moderno.          

 

A homossexualidade e o aborto

A igreja está afinada com o que pensam as pessoas. A pesquisa do Datafolha realizada nos dias 6 e 7 de junho indica que Católicos vão pouco à missa e contribuem menos com igreja. A pesquisa também confirma a ideia de que, entre as igrejas cristãs, os católicos tendem a ser mais liberais em matéria de costumes, mesmo quando isso contraria a orientação da hierarquia católica. Só uma minoria deles se diz contra a legalização da união entre pessoas do mesmo sexo (36%) e contra a adoção de crianças por casais homossexuais (42%), índices inferiores ao que pensa a média da população e muito abaixo do registrado entre evangélicos (em torno de 65% e 70%, respectivamente). Apenas espíritas e umbandistas são mais liberais a respeito desses temas. Mas membros de todas as igrejas cristãs pensam de forma muito parecida sobre o aborto: entre 65% a 70% dizem que a mulher que praticar aborto deve ser processada e presa.

O Papa evitou falar sobre questões polêmicas, porque todos sabemos da posição da igreja. Mas sinto que o Papa, em seu íntimo, pensa que questões envolvendo direitos civis, como aborto e união de pessoas do mesmo sexo pertencem ao Estado. Não vale a pena a Igreja se opor a movimentações sociais... é mais sábio esperar. Na ideia de que a Igreja deve se renovar sempre, há um posicionamento intelectual de que a Igreja é menor do que a Vida e a Igreja deve se adaptar à Vida como ela se mostra em diferentes épocas, se não ela, a Igreja, desaba, morre.

"Se uma pessoa é gay, busca Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?", afirmou Francisco aos cerca de 70 jornalistas que embarcaram a Roma com ele. "O catecismo da Igreja Católica explica isso muito bem. Diz que eles não devem ser discriminados por causa disso, mas integrados à sociedade." Mas Francisco nem mencionou o fato de que homossesualidade é considerado pecado, tanto quanto o adultério.

Essa fala é estranha. Pois há sim o julgamento de que homossexuais estão, de alguma maneira, fora da sociedade ou fora dos padrões de normalidade, marginalizados e precisam ser “reintegrados à sociedade”. Como será feita essa reintegração? Retirando um suposto demônio homossexual do corpo das pessoas? Ou mudando o discurso cristão sobre a homossexualidade? É mais doente/pecador aquele que marginaliza ou aquele que é margilnalizado?

Não sei. Mas sei que essa frase do Papa, por ser contraditória, abre a questão novamente para a Igreja. O papa é um sujeito inteligente e sabe que a questão da orientação sexual não tem nada a ver com demônios e muito menos com qualquer desvio ou doença moral. Como ele mesmo disse, a igreja está caduca, precisa se renovar e se aproximar das pessoas. Problemas da Igreja que, segundo ele, estão impedindo seu crescimento e fazendo proliferar sua "imaturidade"

Há um relativa simpatia das pessoas em relação aos gays. Há mobilização dos homossexuais e a mídia auxilia nesse processo. Os gays são simpáticos, prestativos, competentes, engraçados e ganharam o coração até da mais conservadora dona de casa, que, por sinal deve ter um amigo ou parente gay. Agora, com o aborto a coisa é deferente. Essa mesma dona de casa, que até aceita um gay por perto mas, quando precisar abortar um filho não desejado, fará isso na clandestinidade e não vai contar para ninguém. Quero dizer que as pessoas são contra o aborto, não porque é errado ou coisa do tipo, mas porque o debate publico ainda não atingiu níveis significativos.

 

O espetáculo

Falando em debate público, vamos falar da Rede Globo. Eu achei o Papa um sujeito sensacional, acho a Igreja Católica uma das maiores potencias mundiais e, francamente, a Rede Globo cobriu o evento todo como se fosse um jogo de futebol. A Globo nos traz um tal jornalismo imparcial que é a mesma coisa que jornalismo sem a mínima profundidade e função. A Globo é um monstro da comunicação em dois sentidos. Primeiro, porque é grande e poderosa. Segundo, porque devora qualquer possibilidade de se espalhar entre o povo brasileiro algum tipo de hábito em pensar e analisar algum evento. A jornada inteira teve significações muito importantes e isso você não vê na Rede Globo. No domingo, felizmente, a Rede Globo deu voz ao papa que falou por 20 minutos no programa Fantástico. Aí sim, melhorou um pouco.

Enfim, o papa Francisco é um “papa gente boa”, diriam os jovens. Ele se colocou em seu lugar e falou o que precisa ser dito quando se fala em pensamento cristão, ou seja, exercitar o humanismo, espalhar o amor, compreensão e o diálogo. Obviamente, por ser muito inteligente, o papa Francisco não deseja tocar em pontos problemáticos da doutrina. Mas estes pontos invariavelmente deverão ser tocados em breve porque dizem respeito a sexualidade humana e a constituição de um novo tipo de família. Coisa impossível de evitar. A postura de "não tocar em certos assuntos" pode ser a última fronteira do abismo que separa a Igreja Católica de seus fiéis... ou de seus novos fiéis.

 

 

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