O médico e o lixeiro

O médico e o lixeiro

Saí de casa, por volta das 8h em direção ao trabalho. Um dia ensolarado como os outros. Falar de dias ensolarados e belos aqui em Ribeirão Preto é estranho. Soa literatura estrangeira, porque aqui o que é bom são os dias feios, cinzas e frios.

Isso à parte, fui pedalando de bicicleta e, posto o perigo de transitar pela rua, algumas vezes subo nas calçadas. Em uma esquina percebo um lixeiro limpando a borda da calçada. Reduzo a velocidade. O senhor negro, de uns 40 anos, sorri e demonstra extrema cortesia.

- “Bom dia!” diz.

Eu já contente com seu sorriso, falo:

- Com licença e muito obrigado!

Ele grita um simpático “ôoouuu” e da espaço para minha passagem.

Sigo pedalando e imaginei que esse senhor deve ser um sem educação. Mal deve ter concluído o ensino fundamental. Bem diferente de um médico ou um agroboy universitário, que estuda, se forma se qualifica.

Mas o fato é que mais na frente em meu percurso de bicicleta, a mesma situação. Eu na calçada, bem devagar e um garoto de jaleco, provavelmente um médico, segurava sua maletinha de mão e aguardava o semáforo. Na outra mão o óbvio smartphone. Paro ao seu lado, desço da bicicleta, ele me encara e diz furioso: 

“Mas porque você não vai pra rua?”

Eu fico sem reação. Resolvo não continuar um debate sobre o certo e errado em plena manhã de terça-feira. Ainda pensava no senhor lixeiro.

Faço um gesto leve com a mão direita, como quem diz: “Vai, pode passar”

Não fiquei com raiva. Afinal de contas eu estava de fato errado e ele certo.

Eu, um sem educação completo.

Continuei pensando na situação e, sim, eu estava certo: os lixeiros são mais legais que os médicos... mais “bem educados” pelo menos.     

Pensei então no paradoxo dessa situação. Será que gentileza, boa educação (no sentido de cortesia) são qualidades humanas perdidas ao longo do processo de educação? A educação des-educa? Nos tornamos patéticos e amargos quando educados? Para onde vai nosso sorriso de bom dia, nossa cortesia quando fórmulas de química e física invadem a nossa cabeça?

 

 

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