O paciente mascarado ou analista online?

O paciente mascarado ou analista online?

Em reportagem do Jornal Nacional de ontem (13/04/2021) lemos que

“em nenhum outro lugar do mundo subiu tanto o diagnóstico de ansiedade e depressão, segundo um estudo da Universidade de Ohio em parceria com universidades de 11 países. Sofremos mais que os outros porque, no Brasil, a pandemia demora a ceder, concluem os pesquisadores."

Muito bem. De fato, há um desastre de gestão politica que produz e produzirá efeitos importantes em todos nós.

Por outro lado, eu achei assustador como nós psicólogas(os) aderimos tão rapidamente a modalidade online de terapia como se fosse a única possibilidade de trabalho, sem se quer tentar aplicar os protocolos existentes de contenção a Covid... e sem se quer pensarmos sobre a necessidade e a urgência de estarmos presentes de fato ao lado dos pacientes neste momento, e as consequências de desassistir os pacientes neste momento.  

Em minha experiência, e na de alguns colegas, o que mais vi foi paciente recusando atendimento online – e muitos dos que aceitavam, não se adaptavam e não davam prosseguimento. Ficaram desassistidos.

Esta é uma percepção pontual minha e obviamente não tem caráter cientifico, mas é suficiente para abrirmos uma hipótese sobre o efeito das terapias online comparadas a terapia tradicional presencial durante a pandemia.

Se por um lado aumentava-se a angústia em torno da pandemia, por outro, aumentava-se também "o tempo de tela" (tempo que as pessoas passavam em frente a computadores, tablets e celulares) o que pode ter tornado a terapia online uma atividade ineficiente (assim como se supõe que o EAD durante a pandemia pode ter sido insuficiente). Em outras palavras, a terapia passou a ser mais uma entre tantas atividades online que fomos obrigados a executar nesses tempos. É o que chamo de saturação do canal. Não aguentamos mais telas.

Acho que faltou senso de urgência e responsabilidade a nós, psicólogas(os), de aceitarmos os riscos, botarmos máscara e estarmos presentes (seguindo, claro, os protocolos exaustivamente divulgados pela OMS e endossados pelo Conselho de Psicologia).

Um(a) paciente chegou a mim no ano passado porque seu/sua analista estava apenas atendendo online, em horários reduzidos e cobrando o mesmo valor! Isso segundo ela(e) era um abuso. A(o) paciente era muito refratária(o) - tanto a ideia de uma terapia online, quanto a ideia da terapia tradicional (ficarmos na minha sala por 1 hora, mesmo que de máscara). Ela(e) mesmo deu uma saída: que os atendimentos fossem realizados em uma praça aqui nas redondezas de meu consultório. E foi isso que aconteceu. O resultado foi bem interessante e supervisionado. Foram quase 3 meses de terapia na praça e hoje voltamos ao consultório... ainda mascarados infelizmente.

Cito a fala de um(a) de meus/minhas pacientes mascarados(as), mas que se reproduzia em vários outros nesse longo ano de pandemia.

"Só saio de casa pra vir aqui, mais nada. Se eu não desse uma saída, acho que ia pirar de vez" (meu paciente, dezembro 2020)

Acho que trata-se de assumir riscos o e cultivar a confiança. Havia um pacto de confiança entre nós e a certeza de que seguiríamos os protocolos determinados pela OMS, pelo menos ao longo daqueles 60 minutos. Havia também o consciente aceite dos riscos, apesar dos protocolos. Enfim, nós dois aprendemos a confiar em si próprios, nos outros e sobretudo na ciência. Um aprendizado muito importante que desnuda a função da vida em sociedade: sobrevivermos melhor juntos.        

Percebi (e portanto não tem estatuto de conclusão cientifica!) que o efeito da terapia presencial nos pacientes, neste momento de restrição de circulação e encontros, foi arrebatador: no controle da ansiedade e medo relacionados a: medo de morrer; horror a vida online;  a excessiva convivência com membros da família sob o mesmo teto e a solidão e tédio.

Estes mesmos resultados poderiam ter sido alcançados com uma terapia online? Em geral, acho que sim, mas no meu caso não pois: (1) não sou qualificado em atendimento online e acho isso fundamental; (2) não me adaptei ao DIY (do it yourself) que assolou o "mundo psi" quanto a terapia online e (3) maioria dos meus pacientes se recusaram ao atendimento online ou já vinham desassistidos por terapeutas que se recusaram a atender presencialmente.  

Além disso, percebi em alguns pacientes, dificuldade em compreender e colocar em prática os protocolos de segurança ou simplesmente começaram a negar o perigo da pandemia. Embora os protocolos sejam simples, a enxurrada de notícias e fake news, fazia com que o entendimento destes protocolos fosse reduzido ou obscurecido. E mais recentemente percebi um processo de negação da pandemia, como se ela não estivesse mais acontecendo. Penso que a terapia presencial ofereceu um espaço de elaboração de “planos de sobrevivência individuais”.

Talvez eu tenha assumido um papel muito mais didático do que gostaria como psicanalista, é verdade. Mas todo o resto - que não servisse como ferramenta para o paciente era o resto, não era o fundamental. E era fundamental estar presente.

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FONTE: Pandemia causa impacto na saúde mental dos brasileiros | Jornal Nacional | G1 (globo.com)

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