Onipresença eletrônica e a psicologia online

Onipresença eletrônica e a psicologia online

Em 11 de maio o Conselho Federal de Psicologia publica nova resolução sobre atendimento psicológico on-line (1), que atualiza a anterior de 2012. Com a nova resolução o Conselho basicamente permite a psicoterapia online em número de sessões ilimitadas (antes era apenas permitida a orientação psicológica em 20 sessões). Esta modalidade vai competir diretamente com a psicoterapia tradicional em que o paciente deve se deslocar até o consultório de seu terapeuta.

Há estudos feitos mais sistematicamente desde 2010 sobre os efeitos das psicoterapias online comparando estes aos atendimentos cara a cara, presenciais. Como todo campo novo de investigações os resultados são inconclusivos. As psicoterapias positivas (técnica da psicologia positiva) e as psicoterapias Cognitivo Comportamentais (TCC) são as mais testadas nesses estudos. Em 2012, uma pesquisa (2) avaliou os efeitos do atendimento por telefone em quase 40 mil pacientes. A eficácia clínica das intervenções baseadas na TCC de baixa intensidade entregues por telefone não foi inferior àqueles entregues cara a cara, exceto para pessoas com doença mais grave, em que o "cara a cara" foi superior.

Bem, hoje há muitos psicólogos oferecendo atendimento online e depois desta resolução do Conselho a prática se tornará quase via de regra.

Penso que ao abrir o precedente de uma opção mais barata, mais confortável e fácil – como aparentemente é o caso da terapia online - esta será fatalmente a escolha. O campo de trabalho do psicólogo vai ser prejudicado tanto em termos do efeito psíquico de seu trabalho, que, penso, vai se igualar a um bate papo virtual, quanto em termos científicos pois muitos elementos do setting serão perdidos.

A terapia virtual construirá um novo setting? Sim. Mas já sabemos – por experiencia própria de WhatsApp, Skype e outros aplicativos - o quão pobre é esta experiencia em comparação com o encontro presencial.

Mas, e as psicoterapias dinâmicas, de abordagem psicanalítica? O setting analítico, a presença do analista, o silêncio, o cheiro da sala, o caminho até o consultório e outras variáveis, afinal, podem ser perdidas ou empobrecidas pelo espaço virtual?

A terapia online é normalmente justificada para pessoas que já faziam a terapia e hoje estão em outra localidade, ou que não se adaptam à uma nova língua de uma país estrangeiro ou a um outro terapeuta.

“Lidar com a realidade e responsabilizar-se por escolhas e perdas”. Talvez esta seja uma das lições da psicanálise, se é que ela se propõe a ensinar algo. Semelhante à um cemitério, nosso Eu estrutura-se por abandonos, perdas de objetos e lutos (disse Freud em 1923).

Por quê então evitar a separação? Por quê diabos os psicólogos vão querer caber na palma da mão de seu paciente?

“Estarei sempre do seu lado!” Esta frase me dá arrepios.Onipresença eletrônica.

Ainda pergunto: que tipo de análise (ou terapia) não leva em conta uma inevitável separação? Uma viagem para um novo mundo? Que tipo de terapia se acha invencível à separação física? Onipotência eletrônica.

Enfim, o Conselho fez bem em abrir o campo de experiências possíveis ao psicólogo, que deve responsabilizar-se pelo serviço que oferece, dentro de seus limites éticos, e deve melhorar o nível da pesquisa científica no assunto.

No entanto, sinto que o campo das psicoterapias online nos levará a algo semelhante a “reinventar a roda”.

Uma roda quadrada.

 

 


REFERÊNCIAS

1 https://site.cfp.org.br/cfp-publica-nova-resolucao-sobre-atendimento-psicologico-online/

2 Hammond et. al. Comparative Effectiveness of Cognitive Therapies Delivered Face-to-Face or over the Telephone: An Observational Study Using Propensity Methods. PLoS One. 2012; 7(9).

 

 

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