As poderosas do Lulu e os ofendidos de cueca
“Se for falar mal de mim, me chame,
Sei coisas horríveis ao meu respeito”
(Tati Bernardi, frase erroneamente creditada à Clarice Lispector)
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Vivemos numa época de chavões. De frases que são ditas por puro hábito sem a necessária reflexão. Dentre milhares delas - como “Não tenho preconceito”; “O importante é sorrir sempre” - escolho uma: “Respeito o que você pensa sobre mim e vou escutar com todo respeito”
Será mesmo? Será que podemos ou devemos falar, ou publicar, certas coisas?
Uma qualidade do humano no nosso tempo é a capacidade de se ofender com coisas banais. Uma buzinada no trânsito é capaz de provocar uma reação animalesca sem precedentes. Uma crítica a titulo de sugestão profissional de um chefe ao seu funcionário é encarada como uma ameaça séria à integridade egóica. E por aí vai.
Foi lançado recentemente o aplicativo/site Lulu, em que as mulheres de forma anônima classificam homens e respondem a perguntas feitas por eles.
Polêmica no ar. Eles são classificados com etiquetas (chamadas “hashtags”) do tipo #bonitão; #EsseÉpraCasar; #lerdo e etc. O sistema gera então uma nota que vai de zero a dez.
A Folha de SP de 2/12/2013 já apresenta algumas polêmicas sobre a classificação em hashtags. Uma delas, que fazia referência a pênis pequeno, #NãoFazNemCócegas, foi retirada pela empresa após reclamações. "O Lulu não foi feito para ferir os sentimentos de ninguém. Contratamos revisores locais para a tradução, mas essa hashtag escapou", afirma Alexandra, criadora do site. A expressão que representa a condição oposta (#TrêsPernas), porém, segue no ar.
Aproveitando a onda, um serviço foi criado para que os homens comprassem hashtags positivas. Plano “Manda Bem”, com 5 hashtags positivas, o cara deve pagar R$100,00. O Plano “É pra Casar” adiciona 30 hashtags positivas pelo valor de R$500,00.
Li alguns textos sobre o Lulu e obviamente o mais do mesmo se instaura: “O Lulu trata seres humanos como se fossem mercadorias”; “As mulheres, que tanto criticam o fato de serem tratadas como objetos, agora tratam os homens como objeto” e etc.
Embora não discorde totalmente com o “mais do mesmo” de textos da internet, aponto para uma outro assunto que me parece estar de fato relacionado a presença do Lulu na sociedade: a competitividade feminina, o status do sexo e a presença maciça delas no mercado consumidor.
O Lulu é na verdade um site que reúne dados de mulheres sexualmente ativas e que fazem questão de experimentarem a tal liberdade sexual conquistada. E como sabemos, dados e informações sobre nós e sobre nossos hábitos são um bem ultra valioso para as empresas. Mulher, 30 e poucos anos (ou 20 e muitos), bem sucedida, mora sozinha, tem carro, vai nas baladas com as amigas e pega geral. Isso importa muito para um mercado de serviços e produtos de beleza e entretenimento em que a inveja e insatisfação são os motores principais.
Segundo Alexandra, criadora do site, a versão atual do Lulu é apenas a fase inicial de um produto maior dirigido às mulheres, que abrangerá temas como beleza, saúde e carreira. Muito interessante nesse site é a seção de perguntas e respostas. As perguntas podem ser enviadas pelos homens e as mulheres respondem. Isso é organizado em porcentagens e, com o tempo, penso que vai fornecer dados interessantes sobre os hábitos de vida.
As mulheres competem demais entre si, sabemos por relatos e queixas delas mesmas. Essa competição, sobretudo nas solteiras, instala um estado psíquico semelhante ao de um soldado em um campo de batalha. Um jogo insano em que a unha mais bonita ganha, o vestido, a maquiagem os acessórios mais bonitos vencem e, como nos diz a poeta Anitta, derrotam as oponentes nesse campo de batalhas: “Prepara que agora é hora do show das poderosas/Que descem e rebolam/Afrontam as fogosas/Só as que incomodam/Expulsam as invejosas.
Elas são poderosas. Descem e rebolam na hora do sexo. São tão belas e produzidas que provocam inveja em outras mulheres que não suportam sentirem que seus namorados e outros homens solteiros fixam seus olhares apenas nelas, as poderosas.
Essas são as poderosas. Aquelas que classificam os homens tolos no Lulu, que por serem tolos, acreditam, se sentem magoados, e vão processar o Lulu por difamação. Agora não sei bem se as mulheres são “as poderosas” ou os homens que são uns frouxos... bebezões de 30 e poucos.
Como sabemos, as mulheres dizem muitas coisas no banheiro. Anonimamente constroem seu “clube da Luluzinha”. Nesse clube, caros homens, não podemos entrar, ok? Você, caro amigo, nunca vai saber... e nem queira saber!
Entrei nesse site e vi que meu perfil estava lá já com algumas visualizações, mas nenhuma hashtag engraçada. Há possibilidade dos caras ofendidos excluírem seu perfil para evitarem hashtags. Para falar a verdade acho esse site divertido. Um sinal dos tempos, em que hashtags definem seres humanos? Em que somos tratados como mercadoria? Em que consumimos em vez de amarmos? Em que necessitamos rebaixar o outro para nos sentirmos plenos?
Acho que sim! E talvez tenha sido sempre assim... só não nos ofendíamos tão fácil com coisas bestas.