Por quê a Islândia?

Por quê a Islândia?

A Islândia é um país frio e minúsculo, superdesenvolvido e casa da banda que eu mais gosto: Sigur Rós.

Depois veio a classificação da seleção Islandesa para a copa do mundo, formada por gente que não sabia jogar muito bem e com um técnico que dividia seus afazeres do futebol com a profissão de dentista. Uma torcida carismática e um time raçudo! Huu!     

Até sexta-feira passada (estreia da Islândia na copa) era mais ou menos isso que sabia sobre esse país.

Mas ao assistir pela TV a Islândia empatar com a Argentina pensei: “Essa porra ficou séria!” Me vi torcendo, gritando, como fazia quando tinha 12 anos nos áureos anos 90 do São Paulo (Sim, fui são-paulino).

Percebi então que em navegadas pela internet fui apreendendo coisas sobre a Islândia que criaram um panorama geral difuso do que se tornou uma profunda admiração (coisa que, confesso não ter pelo Brasil) e resolvi organizar para tentar compreender.

Primeiro, as belezas naturais da Islândia. As paisagens islandesas formaram o cenário perfeito para as músicas do Sigur Rós de que tanto gosto. Um povo educado e saudável, fruto de um sistema público de saúde e educação sensacionais. E aquele friozinho que um morador de Ribeirão Preto sente saudades (aqui faz 30 graus na maioria do tempo)

Segundo, a tão falada revolução política na Islândia. Até 2007 o país experimentava um desenvolvimento “fantástico” ... mais ou menos como aqui no Brasil antes da crise (guardadas as devidas proporções). Os vikings consumiam como se não houvesse amanhã.

“A bonança de crédito beneficiou o país, cuja economia cresceu vertiginosamente entre 2003 e 2007: 25 por cento. Mais ainda cresceram os bancos, cujos ativos em 2007 correspondiam a mais de dez vezes o PIB nacional. Apareceram os helicópteros particulares, os camarotes VIPs, as vulgaridades (1).”

Em 2008 a Islândia faliu. Foi um dos primeiros países a sentir o baque internacional de uma crise econômica global. Por se tratar de um país pequeno, a Islândia foi rapidamente para o buraco. E como solução o governo foi estatizar os bancos falidos, pedir ajuda ao FMI e a conta deveria ser paga por cada cidadão islandês (plano Ice Save). Protestos por 6 sábados seguidos, inspirados pelas panelas Argentinas, fizeram o país seguir outros rumos.

Muitos Islandeses ativistas políticos foram taxados de terroristas por exigirem o cumprimento do artigo 26 da constituição, que pedia um referendo popular sobre o plano. Resultado? Mais de 90% dos Islandeses votaram contra o plano e assim foi feito. Um segundo referendo foi mais apertado com 40% da população dizendo “sim” ao pagamento. Estranho não?

O fato é que os Islandeses repensaram o próprio mecanismo de referendo, que convida a população a dizer apenas sim ou não. O importante é que as pessoas se envolvam com o pensar da política e não apenas dizer sim ou não. A mídia manipula o sim/não mas não manipula o pensamento e a discussão permanente.   

A constituição islandesa é praticamente uma cópia da Dinamarquesa e foi promulgada em 1944 quando da fundação da republica Islandesa.

A ideia então era formar uma nova constituição escrita pelo povo e não por acadêmicos ou políticos.

Por meio de um site e redes sociais as pessoas começaram a pensar no que seria uma constituição e muitas ideias e propostas foram coletadas. Foi formado um comitê de 25 pessoas que utilizaram o Facebook como ferramenta fundamental (na Islândia mais e 90% da população têm acesso a internet e todo mundo está no Facebook). E assim, dividiram-se em setores. Por exemplo, o setor de direitos humano e proteção da natureza, que se inspirou nas constituições da Bolívia e do Equador para proteger a Islândia da presença predatória dos EUA no país, que são interessados na energia barata da Islândia para a produção de alumínio.  

A Islândia voltou a ser um país seguro economicamente, pagaram a conta de 63 bilhões de dólares, a constituição continua a mesma, pois ainda não foi aprovada pelo parlamento... mas a vida continua.

Depois da farra vem a conta.

A beleza dos cenários e a força de um povo que - pelas durezas da vida gelada e restritiva - se organizou e focou no que importa, são fatos definitivos.

Acho que isso que me fascinou na Islândia: um frio bem-humorado sem espetacularização, um desejo de revolução, uma nostalgia da juventude e o reconhecimento de que a balada do consumo, do luxo e dos camarotes VIPs causaram uma indigestão, ferraram o país e não dizem muita coisa.

O chamado da realidade é duro. “Voltemos a ser pescadores” dizem lá na Islândia.

E nesse retorno ao primitivo, vão jogar futebol como ninguém.

 

 


Referências

1 João Moreira Salles. A ilha-laboratório. Revista Piauí. edição 65. Fevereiro de 2012 https://piaui.folha.uol.com.br/materia/a-ilha-laboratorio/

2 Miguel Marques, Yolanda Rienderhoff, Pedro Bruno Carreira e LIGHTS ON(E). Pots, Pans and Other Solutions. Documentário. 64min. https://youtu.be/HA6b2lhaAr0

 

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