A psicologia das massas em grupos de Whatsapp nas eleições 2018

A psicologia das massas em grupos de Whatsapp nas eleições 2018

As eleições deste ano foram marcadas pelo uso maciço das redes sociais por candidatos e eleitores. Não apenas isso. Há agravantes importantes.

Parece que um movimento definitivo foi a aposentadoria dos velhos computadores de mesa - grandes, desajeitados que demoravam para ligar - abrindo espaço para os smartphones: pequenos, rápidos e sempre a mão.

Chamo a atenção para os grupos de Whatsapp e listas de transmissão pagas que foram as ferramentas mais utilizadas por candidatos, atingindo milhões de pessoas (muito embora muitos neguem essa informação).

De acordo com Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad C) realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgado no inicio de 2018, o perfil de uso da internet no Brasil é o seguinte:

-Temos 64,7% da população com idade acima de 10 anos (116 milhões de pessoas);

- O celular utilizado por 94% das pessoas;

- E um dado significativo: a função mais importante da internet para 94,6% dos internautas, é trocar mensagens (de texto, voz ou imagens) por aplicativos de bate-papo.

Em 2017 o Whatsapp divulgou que havia no Brasil 120 milhões de usuários. Logo concluímos que o Whatsapp se confunde com a própria internet para o Brasileiro.

O uso de redes sociais - sobretudo o Whatsapp - e a portabilidade dos aparelhos abriu um campo poderoso para o que Le Bon, citado por Freud (1921) - chamou de “mente grupal” resultante da formação de um “Grupo psicológico” .

“A peculiaridade mais notável apresentada por um grupo psicológico é a seguinte: sejam quem forem os indivíduos que o compõem, por semelhantes ou dessemelhantes que sejam seu modo de vida, suas ocupações, seu caráter ou sua inteligência, o fato de haverem sido transformados num grupo coloca-os na posse de uma espécie de mente coletiva que os faz sentir, pensar e agir de maneira muito diferente daquela pela qual cada membro dele, tomado individualmente, sentiria, pensaria e agiria, caso se encontrasse em estado de isolamento.”

A mente grupal guarda semelhança com a vida mental dos povos primitivos e das crianças pois

“Vemos então que o desaparecimento da personalidade consciente, a predominância da personalidade inconsciente, a modificação por meio da sugestão e do contágio de sentimentos e ideias numa direção idêntica, a tendência a transformar imediatamente as ideias sugeridas em atos, estas, vemos, são as características principais do indivíduo que faz parte de um grupo. Ele não é mais ele mesmo, mas transformou-se num autômato que deixou de ser dirigido pela sua vontade.”

Le Bon continua caracterizando o grupo psicológico e diz

"Ele vai diretamente a extremos; se uma suspeita é expressa, ela instantaneamente se modifica numa certeza incontrovertível; um traço de antipatia se transforma em ódio furioso"

Os estudos de Le Bon conseguem explicar estranhos fenômenos de grupo muito conhecidos por nós Brasileiros, como por exemplo, as brigas entre torcidas de times de futebol. Um cidadão, inteligente, trabalhador, deixa sua família em casa e torna-se um animal feroz quando veste a camisa de seu time: bate, agride e mata seus inimigos. Toda racionalidade, moral e bondade se esvaem.

Um vez que este cidadão tira a camisa e volta para seu lar e seu contexto, este efeito de grupo cessa. Ele volta a ser um cidadão comum. Como se este cidadão tivesse a necessidade de expurgar*, de limpar seu Ser das frustrações do dia a dia. Então, o fenômeno de grupo e a mente grupal cessam assim que o cidadão se retira fisicamente do local onde a reunião acontece.

Mas o que dizer de um grupo que nunca se desfaz? Um grupo que produz efeitos de “mente grupal” permanentemente? É exatamente este o efeito dos grupo de Whatsapp.

Os grupos de Whatsapp criam um efeito de mente grupal crônico e permanente em seus usuários produzindo estados mentais de baixa racionalidade, alta sugestionabilidade e agressividade explosiva ao longo do tempo. Cria-se o cenário ideal para a propaganda: a portabilidade dos aparelhos expõe a mente do usuário constantemente às influencias de qualquer tipo de informação não regulada.

Esta influência constante do mundo digital produz um mal estar que já conhecemos e que vem sendo reconhecido como patológico. Quem nunca se desentendeu? Quem nunca brigou? Quem nunca desejou sair do “Grupo de Whats da família mas não o fez”?

Um pesquisa recente do IBOPE apontou como pequena a influência do Whatsapp nestas eleições; sendo que 75% dos que receberam disseram que conteúdo não alterou voto e que poucos usuários receberam conteúdos negativos de ambos os candidatos no segundo turno.

Essa pesquisa falha pois as influências desse tipo de propaganda se dão em um alto grau de intimidade. Alguém assumir que seu voto foi influenciado pelo Whatsapp é assumir ao mesmo tempo que pode ser enganado e ludibriado, que é bobo e vil. Ao responder essa pesquisa o Ego do sujeito lança mão de mecanismos de defesa (sobretudo a formação reativa) fazendo com que facilmente o sujeito responda exatamente o contrario do que deveria.

E mais, a influência desse tipo de propaganda se desenvolve ao longo de um tempo e com quantidades enormes de informação geralmente falsas ou exageradas, fazendo com que o sujeito se habitue a ela produzindo, como já mostrei, um efeito crônico de “mente grupal” ou se pudermos mudar o termo, um processo de lavagem cerebral em massa. É impossível que alguém reconheça, de frente a um entrevistador, que sim, foi enganado por notícias de Whatsapp e que na verdade seu comportamento é igual ao de um rebanho guiado por um pastor. Impossível.

Posso arriscar algumas conclusões.

A propaganda eleitoral destas eleições foram preponderantemente feitas de maneira privada e escondida em grupos de Whatsapp e não mais no espaço público. Uma propaganda realizada de forma íntima e secreta, sem regulação e longe dos olhos do Tribunais Eleitorais - o que vai exigir, cada vez mais, decisões rápidas e altamente tecnológicas destes. A tecnologia chegou às urnas, mas os Tribunais se esqueceram de que a tecnologia chegou também na vida cotidiana das pessoas e assim na propaganda eleitoral que deve ser regulada. Longe de ser censura como a conhecemos, a regulação de dispositivos de troca de mensagens (Whatsapp sobretudo) precisa acontecer de modo a reduzir seu poder de criação desses “efeitos psicológicos grupais” (i.e. redução do número de usuários por grupo? Redução do número de encaminhamentos e reencaminhamento de mensagens? etc.). Urgente também é a criação de mecanismo de identificação de “fake news” e, mais importante, a punição dura dos responsáveis e corresponsáveis, mesmo em ambiente privado.

Os efeitos crônicos desse novo tipo de propaganda tecnológica que multiplica os efeitos psicológicos da “mente grupal”, estão sendo vistos.

Uma multidão de pessoas elegeu um líder capaz de expurgar, de limpar a nação de toda sujeira do passado, desconsiderando fatos e argumentos importantes.

Um líder que evidentemente discursa bobagens perigosas, legitima posições odiosas e sinaliza retrocessos civilizatórios. Mas isso não importa pois e mente grupal desconsidera qualquer ponderação racional. Portanto, não tente encontrar motivos racionais que expliquem por quê seu parente querido vota no Bolsonaro, apesar de tudo que ele representa. Os reais motivos obedecem aos impulsos humanos mais primitivos que negamos, mas que em grupo, são explícitos e violentos.

REFERÊNCIAS

Freud, Sigmund. Psicologia de Grupo e a Análise do Ego. in Obras completas de Sigmund Freud (23 v.), V.18. RJ, Imago, 1996.

*Conversa informal com Prof. Dr José Roberto Ruggiero, físico e livre docente da UNESP.

 

 

 

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