Ressaca de vinagre

Ressaca de vinagre

“Nós envelhecemos e os jovens se fortalecem
Pode levar uma semana e pode levar mais tempo
Eles têm as armas mas nós temos a maioria
Vamos vencer, sim, estamos dominando!”
(Five to One, The Doors)

 

Foram duas semanas agitadas e muito interessantes. O Movimento Passe Livre, (MPL) responsável direto pela mobilização, consegue fazer valer uma reivindicação importante: a redução dos R$ 0,20 na tarifa do ônibus na capital de São Paulo. Pronto. Conseguiram algo extraordinário e, contradizendo os comentários de que o movimento era desorganizado e se perdia em várias propostas e objetivos, eles saíram de cena na hora certa. A movimentação tomou força após a policia atuar com truculência desmedida e após as redes sociais se mostrarem como uma ferramenta fundamental de informação e mobilização.

A grande mídia rebolou. Em uma semana houve uma radical mudança. Arnaldo Jabor pediu desculpas. A Rede Globo, que adorava a frase “Vândalos” e “arruaceiros” mudou para “Ativistas radicais” ou uma “Minoria Violenta” e até Fatima Bernardes achava legal as pessoas irem para as ruas. Algo estranho? Sim, algo muito estranho, mas animador. Mais um motivo pelo qual o MPL desencanou das manifestações foi a adesão ideológica de pessoas e instituições de “direita” pedindo pelo impeachment da presidenta, pelo “Fora PT” e outras demandas absurdas como um golpe militar comandado por Joaquim Barbosa, o paladino justiceiro (chamam de herói alguém que na verdade fez justamente o que devia, nada mais, e recebe muito bem para isso). O MPL fez certo, ao meu ver, pois abriu um canal importante de atuação social e não quis bancar um protesto abstrato e possivelmente conservador. A taxa representou um mote dentro de algo mais amplo, que é a questão da mobilidade nas grandes cidades e de como as cidades não foram feitas para as pessoas e sim para carros particulares.

Redes sociais

Acho que o mais importante de tudo foi que houve um esclarecimento da função revolucionária da internet para o ser humano. Pessoas que até agora só postavam foto de cachorro, fotos de bebê e mensagens amiguinhas e não sabiam muito bem para que servia esse Facebook, passaram a colocar fotos e frases sobre o movimento. O movimento se espalhou como um vírus. A pauta do dia não era mais um ursinho fofo com coraçãozinho rosa e sim um manifestante com um cartaz. Isso pode ser criticado, mas representa a facilidade com que uma movimentação social pode ser criada. Muitos falaram que as redes sociais “catalisaram”(aceleraram) o processo, eu digo que as redes sociais criaram o processo. E isso nem Arnaldo Jabor e nem a Rede Globo souberam perceber.

O efeito direto das redes sociais foi a rapidez da circulação de informações diversas e a possibilidade de alguma imparcialidade... sem ser a conhecida “imparcialidade à la Willian Bonner”.  Diga-se de passagem uma imparcialidade quase psicótica. Reforça palavras como “manifestação pacífica” e dá especial atenção à uma minoria que aproveitou a incompetência polícia para saquear e cometer crimes. A polícia primeiro bateu em todo mundo, e depois não bateu em ninguém. Será que daria para a policia atuar com parcimônia, ou seja, nem lá nem cá? Sim, daria. E nestas duas semanas a polícia precisou mostrar que sim, tinha competência para atuar de maneira civilizada, sendo dura com alguns e mole com outros. Receberam aplausos e flores merecidamente. 

Movimento sem cabeça e a Crise de Representação

Um movimento descentralizado, sem líder, com porta vozes. Isso é coisa que gente com mais de 40 anos não entende. Por isso li textos de gente muito importante na mídia dizendo que “ninguém estava entendendo nada”. Eu também acho isso. Penso que quando nos arriscamos em analisar eventos humanos, sobretudo os atuais, não devemos ter certeza, pois a certeza nos impede de observar novos fatos (como bem propõe, o mestre Sigmund Freud, a escuta e atenção uniformemente flutuante para a técnica psicanalítica).

São jovens que experimentam a autogestão como forma de organização, em que todos funcionam como uma espécie de líder ou “auto gestor”. Aliás, esse é o principio da democracia representativa, como se o “povo” fosse o cérebro e a máquina governamental representasse o motor de ações desejadas, expressas pelo voto. Mas não. O que houve paulatinamente foi o desligamento da máquina governante. Como se você acordasse amanhã, desejasse ir ao banheiro, mas seu corpo lhe levasse para a cozinha. Os partidos políticos e a própria máquina do governo parecem servir à interesses pessoais de pequenos grupos. Descabeçados então, o movimento seguiu o mostrou para o que veio. Veio para dizer o seguinte: “Olha, estamos de saco cheio! E se acontecer alguma coisa, estaremos de volta na velocidade de alguns clicks”.

Finalizo este texto novamente orgulhoso. Passadas as primeiras manifestações e o susto inicial, houve reflexos importantes em diferentes níveis. Acho especialmente importante que as manifestações tenham atingido o imaginário da nossa geração, oferecendo um campo de atuação e de exercício de cidadania. É assim que se muda as coisas permanentemente: com a morte do velho e o surgimento de uma nova cultura que repudia a má gestão das coisas públicas e o conservadorismo.        

 

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