Acredite no impossível: o bom roteiro

Acredite no impossível: o bom roteiro

A esperança no impossível é o que faz da arte algo tão magnífico

O segredo é a coerência

O que eu espero de um roteiro é coerência. Não me incomoda que em Duro de Matar 4 o protagonista, John McClane, vença uma luta contra um avião de caça modelo F35, “surfando” sobre ele enquanto cai e explode. Se eu fosse me apegar à realidade, o melhor seria assistir a um documentário. Mas o exagero e a fantasia devem ser, ao menos, coerentes com a realidade que a própria obra propõe.

"A Penny for Your Thoughts" é o título do episódio nº 52 da série americana The Twilight Zone, originalmente transmitida em 03 de fevereiro de 1961. O título é uma expressão idiomática que pode ser traduzida como “uma moeda por seus pensamentos” e é utilizada quando uma pessoa se mantém em silêncio sobre determinado assunto e você gostaria de saber a opinião dela.

Uma moeda por seus pensamentos

No episódio o protagonista, Hector Poole, lança uma moeda em uma caixa para pagar o jornal que acabou de comprar, sem perceber que a moeda ficou na vertical, ou seja, nem cara ou coroa, mas “em pé”. O jornaleiro fica impressionado com o fato e diz “este deve ser o seu dia de sorte, senhor”, mas Hector não entende o motivo do comentário. A partir de então, o protagonista consegue ouvir os pensamentos das pessoas e o roteiro passa por várias fases: entender o que está acontecendo, assimilar o uso da capacidade de ler pensamentos, compreender a dimensão das consequências e, por fim, desejar se livrar de tamanha responsabilidade.

O roteiro também aborda a importância da individualidade, da privacidade, dos desejos ocultos e da relação entre o pensar e o agir. A narrativa é bem imersiva. Após solucionados todos os problemas que a leitura de pensamento causou à Hector, ele retorna para casa e, mais uma vez, compra um jornal (porque perde o primeiro no decorrer da história), lançando a moeda na caixa, que atinge a moeda anterior e a derruba. O jornaleiro se entristece e reclama: “Porque fez isso? mantive aquela moeda ali em pé durante todo o dia e ninguém a tocou”. Então o jornaleiro percebe que a pessoa que derrubou a moeda é a mesma que lhe havia lançado. Com a queda da moeda, a capacidade de ler pensamentos não existe mais e o protagonista comemora o retorno à normalidade.

Um bom roteiro

Veja como o roteiro se desenvolve bem e cria uma possibilidade, ainda que muito remota, de que a fantasia que acabamos de assistir seja real. Essa pequena esperança no impossível é o que faz da arte algo tão magnífico. Eis a hipótese: se você lançar uma moeda e ela parar na vertical, isso lhe dará a capacidade de ler os pensamentos das pessoas, mas apenas enquanto a moeda se mantiver em pé. No roteiro do episódio, o jornaleiro fica tão encantado com o fato que presenciou, que dedica seu dia a manter a moeda na vertical.

Esse é o tipo de coerência à que me refiro. Manter a narrativa em uma linha de raciocínio objetiva, conferindo riqueza para aquela realidade e proporcionando a imersão tão desejada pelo expectador, que poderá, no tempo que dedicou aquela obra, sentir-se parte da história e crer no impossível por um momento.

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