Além da Lógica: Desvendando o Humor Sem Noção

Além da Lógica: Desvendando o Humor Sem Noção

“Somos todos loucos por aqui” (Gato de Cheshire)

 

O humor sem noção, frequentemente referido como nonsense, é um estilo humorístico que utiliza a quebra de expectativa como ferramenta cômica. Ele se aproveita das convenções tradicionais de narrativa e lógica para traçar um caminho aparentemente óbvio e intuitivo, mas que surpreende com o inusitado e absurdo. Um exemplo simples desse tipo de humor é uma piada contada pelo humorista Marco Luque, que subverte uma resposta óbvia em relação a algo surpreendente, mantendo ainda alguma lógica:

 

- Buenas, Yo soy un assassino Paraguaio, vim para matar-te!

- Para quê?

- Paraguaio...

 

Nesse caso, o efeito cômico ocorre porque a pergunta "Para quê?" deveria fazer referência à ação proposta, ou seja, matar. No entanto, o jogo de palavras com o termo "Paraguaio" é o fator que surpreende. Se você não achou essa piada nada engraçada, está tudo bem, é porque o humor sem noção pode ser considerado confuso e bobo por algumas pessoas, resultando em uma percepção de falta de graça. Apreciar esse estilo de humor requer disposição para abraçar o absurdo, abrindo mão do que seria mais logicamente esperado.

Outro exemplo desse conceito vem do livro O Restaurante no Fim do Universo, o segundo da série de Douglas Adams, originada por O Guia do Mochileiro das Galáxias. O texto é assim:

 

Olhando mais detalhadamente, os caixões se pareciam mais com sarcófagos. Ficavam suspensos na altura da cintura e eram construídos com o que parecia ser mármore branco, e na verdade é quase certo que fosse exatamente isso – algo que apenas parecia ser mármore branco.

 

O efeito cômico aqui reside na direção dada ao leitor para uma conclusão que não é imediatamente óbvia. Ao afirmar que os caixões são feitos do que "parece ser mármore branco", o autor estabelece um parâmetro para o raciocínio. Logo após, expressões como "quase certo" e "exatamente" são usadas para direcionar o leitor para algo mais concreto. A quebra de expectativa acontece quando retornamos ao parâmetro que é apresentado novamente, extrapolando o termo “exatamente”.

Mas, o que realmente inspirou este artigo foi uma cena do filme Monty Python em Busca do Cálice Sagrado (1975), que retrata o julgamento de uma suposta bruxa. A cena começa com um grupo de pessoas arrastando uma mulher até o cavaleiro Bedivere, que futuramente será conhecido como Sir Bedivere da Távola Redonda. A multidão solicita permissão para queimar a mulher, acusando-a de bruxaria. O diálogo que segue é tão absurdo que, na metade, já estava ansioso por um mínimo de racionalidade. As afirmações feitas, todas apresentadas com entonação máxima de lógica e coerência, incluem os seguintes pontos de raciocínio: bruxas queimam como madeira; bruxas são feitas de madeira; madeira flutua como um pato; bruxas possuem o mesmo peso de um pato. Está claro que não há um mínimo de lógica nesses argumentos que levam a conclusão absurda de pesar a mulher junto com um pato e, caso possuam o mesmo peso, ela será considerada uma bruxa.

Mesmo absurda, essa conclusão oferece um certo conforto, pois aparentemente resolveria o dilema, uma vez que é óbvio que uma mulher adulta é mais pesada que um pato. Entretanto, ao colocar a mulher e o pato na balança, é comprovado que eles possuem o mesmo peso, autorizando que a mulher seja queimada como uma bruxa. A cena aparentemente terminaria aí, mas se inicia um diálogo entre o Rei Arthur e Bedivere que revela, de forma muito discreta, a genialidade da cena anterior, pois enquanto conversam a ironia atinge seu ápice, pois a balança que agora compõe o fundo da cena está visivelmente desregulada (muito desregulada).

O humor sem noção é uma forma de explorar o inesperado e o irracional de maneira criativa. Essa cena de Monty Python em Busca do Cálice Sagrado é um exemplo genial disso, levando-nos por um diálogo absurdo em direção a uma conclusão que aparentemente faz sentido para, ao final, revelar sutilmente as injustiças das condenações de bruxaria. Isso ilustra como o humor sem noção pode servir como instrumento de crítica social.

Outros exemplos de humor sem noção podem tratar sobre a irracionalidade da vida cotidiana, as contradições sociais e até mesmo as limitações da linguagem e da comunicação. Ao quebrar as barreiras da coerência lógica, o humor sem noção nos convida a questionar o mundo ao nosso redor e a ver as coisas sob uma nova perspectiva e, por isso, é tão cativante para quem se propõe a acolher em absurdo.

 

Luís Gustavo Conde

Contato: [email protected]

Redes Sociais: Não mais!

 

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