A mulher dos meus livros

A mulher dos meus livros

Lady Macbeth, Júlia, Irene Adler, Fenchurch e Beatrice

Todos que têm paixão pela leitura buscam atrair pessoas queridas para essa prática tão maravilhosa. Particularmente, para demonstrar a genialidade de algum autor, eu indico um trecho no qual ele descreve a mulher amada. Neste Dia Internacional da Mulher, William Shakespeare, George Orwell, Arthur Conan Doyle, Douglas Adams, e Daniel Handler serão meus aliados em uma singela homenagem as mulheres e suas diversas virtudes.

Antes de ser rei, Macbeth hesitou. Convencido por uma profecia, o protagonista imaginado por William Shakespeare precisava matar o rei da Escócia para tomar o seu lugar. Por maior que fosse seu desejo de reinar, Macbeth não suporta a própria imagem de assassino. Lady Macbeth, mulher forte e decidida, questiona o marido: “Tens medo de nos atos e coragem mostrar-te igual ao que és em teus anelos?”. Aos olhos de Lady Macbeth, seu marido já era rei e assassino e, por isso, não poderia deixar a covardia tomar-lhe o coração, tampouco que ele considerasse falhar. A força de Lady Macbeth era tamanha que transbordou dela própria ao marido até tornar-lhe rei da Escócia.

Assim também aconteceu com Winston Smith, protagonista no livro 1984 escrito por George Orwell. Antes um homem apenas de desejos, Winston encontra Júlia, cuja força e coragem o transformar em um homem de ações. Ele teve muito tempo para sonhar com ela antes do primeiro encontro e no sonho foi assim: “A moça do cabelo escuro vinha ao encontro dele, atravessando o campo. Com o que pareceu a Winston um único movimento, ela arrancou as roupas e atirou-as desdenhosamente para o lado. Tinha o corpo alvo e macio, mas não lhe despertou desejo; na verdade, mal o olhou. O que o possuía naquele instante era admiração pelo gesto com que atirara as roupas de lado. Com sua graça e displicência parecia aniquilar uma cultura inteira, todo um sistema de pensamento, como se o Grande Irmão, o Partido e a Polícia do Pensamento pudessem ser lançados ao nada por um gesto simples e esplêndido”. E como a mulher amada não decepciona o amante, ao finalmente se encontrarem longe de qualquer opressão daquele universo de 1984, “ela tirou a roupa, e quando a atirou para um lado foi com o mesmo gesto magnífico que parecia aniquilar toda uma civilização”.

E mesmo quando protagonista demonstra desdém pelo amor, Arthur Conan Doyle, o autor, não pôde deixar de descrever a visão que Sherlock Homes tinha daquela que chamava de “a mulher”. O detetive, que é parâmetro para todos que lhe precederam, foi derrotado apenas duas vezes, uma por um homem e outra por uma mulher, essa mulher era Irene Adler, antagonista do conto Um escândalo na Boêmia. Watson, seu amigo e biógrafo fictício, escolheu essas palavras: “Para Sherlock Holmes, ela é sempre a mulher. Raras vezes o ouvi mencioná-la de outra maneira. Era de opinião que ela eclipsava e se sobrepunha a todas as outras mulheres, e isso não porque estivesse apaixonado por Irene Adler”. Embora seja dito que o amor era para Sherlock como “um grão de areia num instrumento delicado”, a genialidade e imponência ficou marcada de tal forma que “existia apenas uma mulher para ele, e essa mulher era Irene Adler, que lhe excitava o cérebro com dúvidas e indagações diversas”.

Douglas Adams, que se propôs a desvendar os segredos das galáxias, explorando tempo e espaço e, até mesmo, escrever a resposta para a vida o universo e tudo mais, também usou de sua criatividade impressionante para descrever Fenchurch (ou Fenny), por quem Arthur Dent, protagonista de O Guia do Mochileiro das Galáxias prontamente se apaixona. No quarto livro da saga, Até Mais, e Obrigado pelos Peixes!, o protagonista, logo na primeira vez que encontra Fenchurch, reage assim: “Olhou para ela e ficou fraco. Ela era alta, com cabelos negros caindo em ondas em volta do seu rosto pálido e sério. Imóvel na beira da estrada, completamente sozinha, parecia quase lúgubre, como uma estátua de alguma virtude importante, mas pouco popular, em um jardim formal. Ela parecia estar olhando para outra coisa que não aquilo para o que ela parecia estar olhando. Mas quando sorria, como naquele instante, era como se tivesse chegando de algum lugar. Calor e vida inundavam o seu rosto e um movimento inacreditavelmente gracioso tomava o seu corpo. O efeito era muito desconcertante e desconcertou Arthur completamente”. Uau!

Já Daniel Handler descreveu um amor que justifica toda uma vida de dedicação incessante. O eu-lírico, Lemony Snicket, é apaixonado por Beatrice, fazendo constar uma dedicatória romântica e fúnebre em cada um dos treze livros da coleção Desventuras em Série. No décimo livro, a dedicatória diz “Quando nos conhecemos, você tinha a beleza e eu, a solidão. Agora, só tenho uma bela solidão”. O autor não poupa esforços em demonstrar o quanto a perda da amada abalou Lemony, que dedicou toda a vida a ela, mesmo que morta. Além das dedicatórias e da descrição enaltecedora com que Beatrice é retratada, há ainda um spin-off, intitulado “The Beatrice Letters” ou “As Carta de Beatrice” em tradução direta, infelizmente sem versão traduzida para o português. É impossível acompanhar toda a saga dos irmãos Baudelaire sem se impressionar com o amor implacável que Beatrice despertou em Lemony. Como a dedicatória do segundo livro traz: “Meu amor por você viverá para sempre. Você não teve a mesma sorte”.

Que bom seria se todo homem pudesse ter o mesmo dom com as palavras que tiveram esses célebres autores para, só assim, serem capazes de traduzir em palavras as virtudes que cada mulher traz consigo. Eu mesmo, incapaz de fazer justiça com palavras, escolhi esses autores para me ajudarem a dedicar este artigo a mulher da minha vida e à todas que puderem ler.

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