O fim da leitura está próximo: uma brecha no espírito
“Odeio um romano chamado Status Quo!”
“Passaremos os livros adiante a nossos filhos, de boca em boca, e deixaremos que nossos filhos, por sua vez, sirvam a outras pessoas”. Essa é a explicação que Granger oferece a Montag, o protagonista da história, logo após apresentar os membros de seu clã, leitores ávidos, com memória fotográfica, que leem e decoram os livros antes que sejam queimados; e eles mesmos os queimam, para que não precisem ser escondidos ou representem prova contra eles. Essa é a resistência em um futuro distópico criado Ray Bradbury e publicado em 1953 em um dos meus livros favoritos: Fahrenheit 451.
A história desse romance distópico se passa em uma sociedade onde os livros são proibidos e o conhecimento é suprimido em favor da conformidade e da superficialidade. Os livros são queimados pelos bombeiros, cuja função original se tornou obsoleta após as casas se tornarem a prova de combustão. O conhecimento é suprimido através de telões que exibem as mais diversas formas de entretenimento, tão atrativo as pessoas porque dispensam qualquer raciocínio ou reflexão sobre o que é exibido. E a conformidade! Não pense que as pessoas de Fahrenheit 451 são caladas e reprimidas, claro que não. Elas conversam muito, sobre marcas de carros ou roupas ou piscinas, e vão aos barzinhos, ouvem músicas e contam piadas; “mas todos dizem a mesma coisa e ninguém diz nada diferente de ninguém”, é como Clarisse descreve ao protagonista, ela que é uma jovem que nada se encaixa naquela sociedade supérflua.
Há também o Faber, um dos maiores criminosos de Fahrenheit 451, um professor aposentado que imprime livros. Quem poderia ser mais perigoso para uma sociedade fútil e superficial? Nessa distopia um professor que defende a reflexão é mesmo muito perigoso. Faber defende três coisas fundamentais que faltam na sociedade: “A primeira, como eu disse, é a qualidade da informação. A segunda, o lazer para digeri-la. E a terceira, o direito de realizar ações com base no que aprendemos da interação entre as duas primeiras”. Me causa um frio na espinha ler a reflexão de Faber sobre o tempo para pensar. O perigo, segundo professor, é o televisor que “o leva tão depressa às conclusões que sua cabeça não tem tempo para protestar”. Quão inofensivo é o televisor hoje quando comparado às redes sociais, streamings e todos os demais entretenimentos que só anseiam por tempo de tela. Eles são feitos para isso, somente para isso, para que você se perca no tempo, vídeo após vídeos, post após post, episódio após episódio: sem “tempo para protestar: ‘Isso é bobagem!’”.
Para além de tudo isso, quem mais me assusta em Fahrenheit 451 é o Beatty, o Queimador-Chefe, capitão dos bombeiros. É ele quem explica para Montag como os bombeiros mudaram de função e porque os livros foram banidos. Claro que se espera uma guerra, uma revolução, um golpe estatal, um ataque dos opressores... mas não, as pessoas só pararam de ler, simples assim. Beatty narra que “a coisa não veio do governo. Não houve nenhum decreto, nenhuma declaração, nenhuma censura como ponto de partida. Não! A tecnologia, a exploração das massas e a pressão das minorias realizaram a façanha”. Mas, se as pessoas pararam de ler por conta própria, por que queimar os livros então? Porque sempre haverá aqueles apaixonados pela leitura e conscientes da sua importância; mas esses são diferentes. Então Beatty explica: “Cada homem é a imagem de seu semelhante e, com isso, todos ficam contentes, pois não há nenhuma montanha que os diminua, contra a qual se avaliar. Isso mesmo! Um livro é uma arma carregada na casa vizinha. Queime-o. Descarregue a arma. Façamos uma brecha no espírito do homem”.
E eu lhe conto, com umas pequenas modificações minhas, como que Ray Bradbury imaginou a extinção dos livros em Fahrenheit 451: “Clássicos reduzidos para se adaptarem a programas de rádio vídeos do Youtube de quinze minutos, depois reduzidos novamente para uma coluna de livro postagem nas redes sociais de dois minutos de leitura, e, por fim, encerrando-se num dicionário vídeo do TikTok, num verbete tuíte de dez a doze linhas”.
Esse “futuro” é assustador!
Luís Gustavo Conde
Contato: [email protected]
Redes Sociais: Não mais