Rostos na telona

Rostos na telona

Grandes closes de rostos na tela do cinema nos fazem sentir algo especial sobre a condição humana

 

É muito difícil criar conteúdo. A criatividade exige muito do que a rotina diária suga de nós. Nas últimas semanas eu estive doente e se já é difícil cumprir o trabalho cotidiano com uma terrível dor de cabeça, criar um conteúdo interessante é quase impossível. Mas, então, essa me pareceu uma boa oportunidade de falar do meu canal favorito do Youtube, o Nerdwriter1. Coincidentemente, o mais recente vídeo publicado fala da experiência de ir ao cinema após a pandemia e diante da ascensão dos streamings. Então, ao invés de ser criativo, eu decidi traduzir o vídeo original e adaptá-lo em texto para postar por aqui. Ficou assim:

 

Faces On A Big Screen (Rostos em uma tela grande)

Todos podem ver agora que a pandemia acelerou algumas tendências que preocupavam a indústria cinematográfica, especialmente a de que cada vez mais os únicos filmes que realmente serão exibidos em uma tela de cinema são os sucessos de bilheteria, às vezes descritos como “grandes eventos”, enquanto filmes independentes e de orçamento médio estão cada vez mais restritos a serviços de streaming assistidos pelas pessoas em suas próprias casas e em suas próprias TV’s.

Essa mudança tem acontecido há algum tempo, mas não totalmente. Você ainda pode encontrar filmes indies, ou vencedores de Oscar’s ou até uma comédia romântica em um cinema local, geralmente um filme muito específico de cinema independente, mas está mais difícil do que nunca encontrar um não-blockbuster no cinema mais próximo. Muitas dessas redes de cinema são as únicas telas grandes ao seu alcance, mas com o mesmo conteúdo disponível na sua TV, onde você pode assistir com o máximo de conforto, sem a necessidade de vestir “roupas de verdade” ou arriscar ter um gigante sentado na sua frente, ou ter que resistir a raiva induzida pelo barulho das pessoas conversando durante um filme, ou mastigando a pipoca de boca aberta em um volume que você nunca pensou ser possível.

Acho que muitas pessoas começaram a considerar que o cinema só vale a pena quando o filme requer uma tela gigante para ser apreciado e quando a qualidade do som em alto volume é essencial para a experiência. A pandemia só reforçou essa consideração. Com a Covid você não estava só arriscando um comedor de pipoca agredindo seus ouvidos, mas também sua saúde. Que tipo de filme vale a pena um risco como esse? Especialmente se muitos desses filmes estreiam em streaming no mesmo dia do cinema. Parece que a importância da data dos lançamentos chegou ao fim, por enquanto. Mas a pandemia reforçou uma mentalidade que já estava encontrando seu lugar entre os cinéfilos: apenas grandes filmes precisam de telas grandes e essa mentalidade, eu acho, vai persistir além da Covid (se houver um além).

Mas há uma suposição aqui que eu acho que vale a pena examinarmos implicitamente em nós: entender o que significa o termo “grande filmes” quando eu digo que “grandes filmes” exigem uma tela grande para ser apreciada. Há provavelmente um certo tipo de filme que surge em sua cabeça: filmes de ação. Filmes de ação dominam a bilheteria e nos dias de hoje, super-heróis dominam os filmes de ação no mercado doméstico. Na bilheteria de 2021 os 13 melhores filmes eram de ação (e sim estou colocando Um Lugar Silencioso - Parte II nessa categoria). Os quatro melhores filmes foram de super-heróis, com o primeiro sendo, claro, Homem-Aranha: Sem Volta para Casa. Os fãs do Homem-Aranha acreditavam valer a pena assisti-lo no cinema e como um desses fãs eu posso dizer, valeu a pena.

Mas a única coisa melhorada nos filmes de ação por uma grande tela são explosões, armas e superpoderes, coisas que uma projeção de 10 metros de altura pode tornar mais imersivo. Eu estava pensando sobre essa questão e então eu assisti Hollywood Reporter's Annual Director's Round Table onde Kenneth Branagh disse:

"[...] esta é a outra coisa que eu penso: esses filmes vão fazer você capturar a natureza épica do rosto humano, a que você conhece apenas vendo em close-ups, grandes close-ups de rostos no cinema, que me fazem sentir algo diferente sobre a condição humana [...]"

E isso, por sua vez, me fez refletir sobre o que foi, provavelmente, minha atuação favorita de 2021:

"[...] você vem aqui tentando ser todo bonito para mim, mas realmente você me lembra um cachorro, um bulldog inglês com apelo sexual e um nariz muito judaico[...]"

Essa é a fala da atriz Harriet Sansom Harris que roubou a cena no filme Licorice Pizza do diretor Paul Thomas Anderson. E foi nesse ponto do vídeo que eu percebi que isso é indiferente, porque você provavelmente está assistindo em seu laptop ou telefone, em telas de um tamanho que você não pode capturar as sutilezas do desempenho de demência de Harris mostrada nesse foco extraordinário: todas as contrações e ajustes de uma intensidade desequilibrada. Mas no cinema onde eu assisti, o efeito foi esmagador, a plateia foi envolvida por esse rosto gigante e enlouquecido, o que me impressionou.

Branagh está certo, rostos enormes se emocionando em telas enormes é algo tão épico (se não mais épico) do que explosões e batalhas. Ação pode ser entusiasmante, mas apenas na medida em que serve uma história e histórias são, fundamentalmente, sobre pessoas e as pessoas se revelam por seus rostos. O rosto é onde a mais importante, a mais impactante, a mais intensa parte de uma história dramática acontece, em desabafos emocionados ou na menor microexpressão. A oportunidade de ver essas pequenas sutilezas, esses momentos, em uma tela grande é um empate com qualquer cena de ação.

O cérebro humano está sintonizado para reconhecer rostos, ele anseia por rostos, até vê rostos em lugares onde eles não estão. Nós estamos constante e involuntariamente lendo os rostos que encontramos e tentando entender o que a pessoa por trás dele está sentindo. No cinema temos a rara oportunidade de ver esses rostos com mais detalhes do que em qualquer outro momento em nossa vida diária, vemos coisas lá que não podem ser vistas pessoalmente, muito menos em uma tela de computador ou celular.

Acho que as tendências preocupantes que a pandemia acelerou serão difíceis de reverter. Daqui para a frente eu imagino que vamos ver menos filmes em um cinema do que costumávamos ver. Mas talvez nossa ideia de “grande filme” possa mudar, talvez quando dissermos “você precisa ver isso em uma tela grande” não será porque a ação foi tão enérgica e explosiva, mas porque as histórias eram contadas nos rostos que são impossíveis de ver na sua sala.

 

É isso pessoal. Essas foram as palavras de Evan Puschak, o criador do canal Nerdwriter1, como eu já disse, meu canal favorito de todo o Youtube. Espero que tenham gostado e aprendido algo. Eu aprendi que traduzir as ideias de alguém, especialmente adaptando de um vídeo para um texto, é tão exaustivo quanto criar um conteúdo novo. E aqui se perdeu a ideia inicial de criar um conteúdo facilmente. Fica um aprendizado para todos nós. Até a próxima.

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