Todos são loucos por aqui?

Todos são loucos por aqui?

Se tanto faz aonde você quer chegar, tanto faz o caminho

 

Alice no país das maravilhas é um clássico da literatura. No mundo imaginado por Charles Lutwidge Dodgson sob o pseudônimo de Lewis Carroll a menina Alice passa pelas mais inusitadas situações e conhece personagens intrigantes, cada qual com suas profundas reflexões. Não à toa, a obra é muito adaptada, sendo mais conhecida pela animação da Disney de 1951 (dá para acreditar que são setenta anos?) e mais recentemente o filme produzido também pela Disney, com direção do Tim Burton e lançado em 2010.

Alice é uma menina extremamente pragmática, ou seja, muito apegada a prática das coisas e nem tanto as teorias. Por isso, logo nas primeiras linhas do livro, a menina pergunta a irmã para que serviria um livro “sem figuras nem diálogos?”. Um livro sem figuras ou diálogos é um livro teórico, que a menina não entende o valor. Somado a isso, logo em seguida, Alice se vê meditando sobre esforço e resultado, ao considerar “se o prazer de fazer uma guirlanda de margaridas valeria o esforço de levantar-se e colher as margaridas”. Muitas vezes consideramos se o valor de estudar no sábado à noite vale a boa nota da prova, se as horas extras trabalhadas valem o acréscimo no salário, se o prazer de assistir aquele filme vale as duas horas a menos de sono. É fácil identificar-se com a menina.

Até mesmo uma espécie de "Ser ou não ser, eis a questão" é encontrada no livro. A reflexão proposta pela famosa frase dita por Hamlet na peça homônima de William Shakespeare é tratada quando Alice não sabe responder a pergunta “Quem é você?”. Em resposta ao questionamento da Lagarta, a menina afirma que já não sabe quem é, dizendo “eu sei quem eu era quando acordei esta manhã, mas acho que mudei tantas vezes desde então”. Uma fórmula comum usada no texto é a confusão do que é literal e do que é simbólico. A justificativa da menina é de que “ter tantos tamanhos diferentes em um só dia é muito confuso”, o que, no caso, é literal, pois até este momento da narrativa já tinha usado algumas vezes da garrafa com o recado “beba-me” e do bolo escrito “coma-me” que lhe faziam, respectivamente, encolher e crescer. Claro, que o diálogo não deixa de lado a profunda reflexão sobre nossa percepção de nós mesmo.

Mais adiante na narrativa lemos o famigerado diálogo entre Alice e o Gato de Cheshire, de onde surge a mais conhecida frase do livro “we're all mad here” ou “somo todos loucos aqui”. A frase, além de nos direcionar para o mais confuso e intrigante diálogo já escrito, resume de forma brilhante a ideia central do livro. Alice é uma menina inglesa de bons modos que se encontra em um lugar onde todos são loucos, como afirma o Gato. Daí se pode falar nos diferentes costumes de cada cultura. Enquanto inseridos em nossa própria cultura temos o claro conceito de normal. Mas, alterando o cenário, é preciso estar aberto para compreensão de tudo o que for novo. Ora, se no País das Maravilhas todos são loucos e a menina não, ela é a pessoa estranha para aquela cultura.

Embora as obras da Disney sejam excelentes adaptações, a limitação de tempo e as técnicas específicas que se deve observar impedem que a animação e o filme sequer se aproximem da genialidade do livro, o que é comum quando um livro é levado para as telas do cinema. Por isso, leia o livro, é incrível. Também não deixe de assistir os filmes. Aliás, há ainda um segundo livro com o título Alice Através do Espelho, que embora menos conhecido, é tão bom quanto o primeiro. Aqui vale uma observação, os filmes da Disney, apesar de intitulados da mesma forma que os livros, são na verdade uma junção de elementos dos dois, que se misturam nos filmes. Dois livros, uma animação e dois filmes, cinco belas obras.

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