A FÓRCEPS

A FÓRCEPS

        Fui tirado de mim a fórceps 
        Após peles, veias, olhos, boca, palavras ditas, mal-ditas, malditas, desditas, bem-ditas, benditas, ações sem sentido das gentes de carne e osso, da superfície e do poço, do passo e do asco, fui devolvido a bisturi a mim.
        Olho para os tempos de hoje e não vejo mais o que eu via. Vejo a pressa, os desvãos, as vontades na rapidez, as ambições de chegar à frente dos passantes sem rosto. O surreal, o ideal, o racional, o ancestral, o barro a pedra, o fogo da raiva, o fogo da paixão. 
        Vejo fora de mim.
        Cabelos brancos, gestos entrevados, rugas das experiências, que os eufemistas apelidam de melhor idade. Os jovens nascem velhos. Os velhos adultos: suas palavras ditas, palavras desditas, mentiras verdadeiras, verdadeiras mentiras, óculos embaçados, olhos apertados, lentes multifocais para colocar o mais perto do mundo o que o mundo é. O tigre arranha minhas entranhas.
        Vejo dentro de mim.
        O mergulho nas vísceras exigem uma dose de uísque; as descobertas, os arrependimentos necessitam de um porre. Fácil conviver com os arrependimentos, difícil conviver com as pessoas. O vento machuca, o frio dói. As feras se digladiam dentro de mim. Passo a passo. Dia a dia. Meus dentes cerrados. Minha boca seca. Meu estômago revirado. Todos os medos arrancados a fórceps.
        Vejo
        O HERÓI É O COVARDE QUE NÃO TEVE TEMPO DE FUGIR

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