Caro vestibulando... e caro mesmo, PENSE: Tudo mudou para permanecer igual
Quando eu tinha 18 anos, os professores davam "esporro" em cada aula. Parecia combinado: "Vocês estão no ano do vestibular e não têm consciência, são um bando de alienados que não leem nem bula de remédio. Se não estudarem, não vão passar". Parecia que combinavam. Era um pé no saco" - todo dia, toda aula. Havia um cara de pau, sádico, que escrevia quantos dias faltavam para a gente subir no patíbulo e encarar a forca.
Transformavam o tal vestibular em um monstrengo com a boca aberta e os dentes afiados. Muitos amigos "piraram". Deixaram de ser humanos para se tornarem vestibulandos. Eram as vítimas das gozações dos "vagais". Apelidamos os CDF de ursos: brancos, peludos e gordos. Esqueceram de viver.
Professores, coordenadores, diretores, minha mãe, a alma da minha avozinha querida diziam que tinha que escolher minha profissão, afinal a exerceria para o resto da vida. Pensei: "Resto da vida é muito tempo".
Já naquela época, alguns amigos parece que nasceram com o estetoscópio pendurado no pescoço: "Vou fazer medicina, penso nisso desde a barriga da minha mãe". Um deles tentou entrar na UFJF. De tanto decorar a apostila, tornou-se um dos melhores professores de biologia que conheçi. Nunca exerceu a medicina, apesar de ter se formado. Outro se formou, jogou o diploma no colo do pai e lhe disse: "Esse diploma é seu". Juntou as trouxas e foi fazer artes cênicas.
Nunca pensei qual profissão gostaria exercer. Em algum momento, pensei em ser diretor de teatro. Depois de um conto publicado pelo Diário Mercantil de JF (o editor era um velho amigo), tive certeza: "Serei escritor". Logo depois, a certeza foi para o espaço, então me vi jornalista. Sempre tive uma imensa dificuldade de obedecer a ordens, nunca daria certo.
Li muito. Ouvia rock pauleira. Os garotos da rua jogavam bola. Eu lia. Meu pai e meu irmão achavam que eu era doido ou gay ou os dois. Para desespero deles, virei o objeto de gozação da rua. A vítima da fofoca. E eu, cheio de dúvidas, ouvia rock'n Roll. Aí a coisa piorou. Certeza! Eu era maconheiro. Veado maconheiro. Como mãe é mãe e vice-versa, a minha dizia que eu era o ser mais inteligente sobre a face da terra. Eu, um adolescente cheio de dúvidas, lia e ouvia rock'roll. Eu era como nitroglicerina: todo mundo sabia que eu explodiria, só não sabiam quando. Nem eu.
Resolvi que seria jornalista sim. E dane-se. Na fila de inscrição, conversei com alguns amigos. Um deles me disse: "O seu negócio não é escrever? Aprender português a fundo? Então, por que não faz letras? Dei-lhe razão e, mais uma vez, troquei, para desespero da minha família, que queria um filho "dotô" médico ou padre ou milico. Já disse que não sei obedecer a pessoas. Ah! Esqueci: detesto sangue e vísceras.
Fui parar no curso de letras. Na primeira aula, deu vontade de fugir: "O que diabos eu estava fazendo ali? Eu ia dar aulas? Nem pensar. Jamais..."Mas, sou teimoso, insisti”. E não é que comecei a gostar daquilo! No entanto, vivia grudado na "galera" do jornalismo. Era um jornalista frustrado.
Em 1978, as escolhas dos filhos eram motivadas pelo desejo das famílias de alcançarem "status" (já viu isso, leitor desesperado, esperando esse texto acabar?). O negócio era ser médico, advogado ou engenheiro. O resto era "curso espera marido". Nunca ansiei por um marido. A famosa Leila Barbosa me deu uma chance e comecei a dar aulas aos 18 anos no Colégio dos Jesuítas. Não parei mais. Virou vício.
Hoje o leque de opções é tão diversificado, que as profissões mais rentáveis, que darão status, ainda não foram inventadas. É um "crime" pedir a um jovem que escolha o que fará pelo "resto da vida" aos 18 anos. Falta-lhe maturidade. Conheço uma imensidão de jovens que "chutou o pau da barraca" e foi para o mercado de trabalho, sem um diploma universitário.
Pergunte a uma pessoa de 40 anos ou mais, se ela, algum dia, imaginou que carregaria no bolso, pelas ruas, o próprio telefone que viria acoplado a um computador, uma tevê e um rádio? Pergunte se ela imaginava que existiria uma tal internet? E quantas profissões surgiriam a partir dela?
Tenho 60 anos. Envelheço, mas meus alunos, todos os anos, têm 18 anos, por isso acompanho gerações e gerações. Tenho eternos alunos que trazem seus filhos para estudar comigo. Isso me diz que transformei alguém que me transformou. Vou-lhe contar um segredo, paciente leitor, que chegou até aqui: “Não sei o que quero fazer" é a opção mais concorrida do vestibular. Não ria. É sério. A maioria dos professores, que dão aula para vestibulandos sobre determinada matéria, são formados em outras profissões que nada têm a ver com ela.
Em uma profissão tão desvalorizada, tão saturada quanto a minha, sinto-me um vencedor. Vou-lhe contar outro segredo, perdido leitor: "Perdi uma namorada, porque a mãe e o pai dela me consideravam um "professorzinho" sem eira, nem beira.
Sou sim um professor. Não sou médico, nem padre, nem doutor. Em um país em que quase ninguém quer estudar, sinto-me um vencedor. Em um primeiro momento, fiquei indignado. Depois, descobri que fizeram por mim algo fantástico: Como já disse, adoro desafios e provocações. Criei, há 28 anos, o Criar Redação, uma referência em Língua Portuguesa para pais, alunos, escolas, professores e veículos de comunicação. Durante 20 anos, fui mantenedor do Liceu Van Gogh, até que um AVC me pôs contra a parede, mas não me parou. Atravessei a parede.
Não saberia fazer outra coisa a não ser ensinar e provocar. Alguns alunos me amam; outros me odeiam, mas, de alguma forma, nunca ficaram indiferentes. Nunca fui óbvio.
Meu jovem aluno, não se desespere, o vestibular não é um monstro. Desafie-se. Você só vai atravessar a ponte, ver o mundo por outro prisma. Vai se encontrar. E NADA É PARA SEMPRE.