COBERTOR

COBERTOR

Sentenças morrem com reticências. Ao leitor sobram conjecturas, puras divagações. Sentenças concretas não rompem linhas. As ideias correm sobre trilhos. Criar poemas lineares trilha um caminho linear. As frases acorrentam-se umas às outras por vírgulas amarguradas. O poeta quer romper regras louco. Enlouqueceu para arrancar grilhões, com se arrancasse raízes do chão. Parênteses grades. Grades encarceram a imaginação. Margem igual a muro. Bate ali a sedução. Linhas expremem as letras que formam palavras que formam frases em busca de certezas para a inspiração. (detalhe: certamente inspiração não existe, é mera cogitação).

A criação, ave de rapina, voa como falcão. O falcão manco pisa a linha. Linha sobre linha, inferno e céu, encarceram o falcão. A corda presa na perna. A corda presa na mão. A presa presa. O dono das normas se crê dominador. O escritor crê na certeza do nó. O seu clímax romperá a obviedade. O facão tem olhos. Eles ainda podem ludibriar o leitor. Letras baças, palavras baças enterram no falcão capuz. Capuz prende luz. A escuridão restringe a visão? Ou liberta a imaginação? Ou coloca em cheque a razão? A negação da liberdade da criação em múltiplas caras. Medíocre construtor (detalhe: a obviedade não existe até para quem sabe voar. Há nós incapazes de desdar).

 A névoa consome os contornos da cidade. A poluição consome qualquer observação. Olhos ardem. Baça visão. O tradutor da vida do que existe não existindo trilha a urbe com suas milhares de caras, bocas, corpos, ruelas, avenidas, janelas, carros e carretas. Semáforos. A mente corre, pára, atropela. Diz, desdiz. O ônibus assassinou o bonde. O asfalto matou o calçamento. O presente impermeabilizou o passado. Nem só de passado, nem só de futuro vive a criação. O crítico concreto embotou a criação. Urbe embaçada destrói a individualidade. Atiça a mente, a visão. (Detalhe: na concreta poesia a individualidade inexiste, pois há a concepção escritor mas também há conjecturas do leitor).

As letras que criam palavras que criam frases que traduzem a cidade, mesmo com a visão embaçada, provocada pela névoa, pela poluição, que fazem arder os olhos, também querem colocar nos trilhos a certeza da liberdade, da individualidade. Encurralar o falcão. O leitor vira páginas à medida que desata os nós. Ponto final? Ou ponto inicial? Ou ponto crucial. Cada ponto soterra frases, inconguentes abrem outros canais. O escritor e o leitor, então, fecham as capas. Creem-se prendendo falcões. Capas, como caixões, enterram a criação ou aquecem a imaginação? Como um cobertor. 

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