CRISE EXISTENCIAL / CRISE ANCESTRAL

CRISE EXISTENCIAL / CRISE ANCESTRAL

O MUNDO GIRA, GIRA, GIRA, GIRA E GIRA E GIRA E GIRA

Tales From Topograph Oceans é um Álbum de vinil. Denominação mais que adequada, as partes da capa se abrem como as de um álbum. O YES é um grupo de rock progressivo, formado, em 1968, por: Jon Anderson (vocal), Chris Squire (baixo), Peter Banks (guitarra) Tony Kaye (teclado), Bill Bruford (bateria). Esse LP é um dos meus preferidos, quando estou naqueles dias de só sentir, sem pensar, de querer sem querer. A voz de Jon Anderson entra pelos poros, pela alma, pela cabeça: congrega, de repente, todos os sons do mundo. Naqueles dias em que só escrevo frases curtas, textos curtos, para não encher a paciência de leitores desavisados, que, por ventura, queiram perder o seu tempo com meu desatinos.

Tempo, moeda hipervalorizada, em que a urgência substitui a inteligência. Tempo em que passar os olhos por cima das palavras, ler o primeiro e o último parágrafos significa apertar a mãozinha do CURTIR na parte inferior do post. (CURTIR, com a mãozinha, naquela posição, polegar entumecido, um dia, significou "tinindo", isto é, "joia"). "Álbum" é palavra ótima em tempos de Play Store, de só som. O danado escapuliu das minhas mãos, escapuliu da estante e bateu na minha cara pálida hoje de manhã. É música concreta, palpável, não é virtual. Limpar um disco de vinil corresponde a passar talco ("talco" é ótimo em tempos de lencinhos umidecidos Pampers), no bumbum de um bebê.

Qualquer arranhadura é uma farpa no dedo, um crime de lesa paixão. A capa é um show, uma daquelas obras de arte do mitológico Storm Thorgerson. Inventaram fitas cassetes, CDs e outras engenhocas guarda som. Nenhuma tem a sonoridade de um vinil nem a "viagem" numa capa de um Long Play, desenhada por Thorgerson. Um disco era um conjunto de artes.

A indústria do entretimento detonou a molecada que nunca saberá como é lindo embarcar nessa viagem. Vem-me uma dúvida: Será que teria algum tesão nisso? Acostumou-se a carregar o mundo num pendrive, numa nuvem, com a cabeça nas nuvens, sem CURTIR, de fato, sem sonhar tendo a voz de Anderson como fundo musical.

Coisa pior. Essa molecada não terá também qualquer possibilidade de errar propositalmente, sem que um maldito corretor venha impedi-la de fazer isso. Não tenho nem ninguém tem mais esse direito. O anta do corretor induz ao erro, quando acerto. Não terá o tesão de datilografar numa Olivetti Lettera, rodar páginas num mimiógrafo. Encontrei a minha, portátil, hoje. Amiga velha de tantos velhos poemas, velhos contos, velhas crônicas, velhos "eus", como encontrei também uma edição amarelada de "A idade da razão", de Jean-Paul Sartre.

A moçada não terá o prazer de sentir o perfume de um livro antigo, cujas páginas amareladas trazem a mesma tonalidade dos dedos de quem fumava Minister. (Tento escrever Minister, porém o maldito corretor insiste em me corromper com as palavras "ministério" e, agora, "ministro"). Ninguém merece isso! Sou corrompido por um dedo sem me corromper.

Só para prevenir um louco desavisado: o "Álbum" do Yes é duplo. Uma aventura para quem pode encontrar os amigos, apagar a luz do quarto e mergulhar sem falar. Um dia pensei como o Alvin Lee, guitarrista mágico, do Ten Years after: "I love to change the world". Desisti: não consigo mudar nem a mim mesmo, como mudaria o mundo? E essa saudade dói que nem um tapa na cara (aquele de fraturar uma paixão e o intelecto). Se é que me entendem e também a Ian Anderson, do Jethro Tul, quando berra com sua flauta mágica: " TO OLD TO ROCK'ROLL, TOO YOUNG TO DIE".

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