E foi...

E foi...

(Luiz Cláudio Jubilato)

Certo dia descobriu que o que pregava era real: Vendia "milagres a quilo" às sextas-feiras no barracão. Berrava para os desatentos com seus desalentos: "Sexta-feira é dia do milagre, venha buscá o seu". Colocava faixas amarradas nos posts.

A prefeitura proibiu. Os fiscais e a polícia foram lá arrancar. Levaram tanta porrada, os carros foram mais de uma vez virados e revirados. Nunca mais voltaram para "encher o saco". Se alguém lhe perguntava: "Por que na sexta-feira?" Ele enchecia o peito pra berrar na cara do "caboco": "Porque é o final e o início". Final da semana e início do final de semana". O povo babava. Era um sábio, dono das leis de Deus. Devia até ter um celular para falar com ele, porque ficava vermelho para gritar: "E Deus disse...para paraem com essas futilidades da vida". Sabia tudo o Deus queria, o que Deus pensava, o que Deus diria ao as coisas erradas e mendava: "Ao invés de ficar comprando essas porcarias pra borrar a cara, as muié devia juntar dinheiro para pagá o dízimo e ficá mais perto de Deus". "Os home, ao invés de encher a cara de pinga da boa e depois batê nas muié devia era jintsr dinheiro para pagar o dízimo em dia pra comprá o milagre de Deus". Depois, impreterivelmente, vem o sermâo: E Jesus andou pela terra,,,Por ironia do destino, seu nome era Deusdete, casado com Agripina, esmirradinha, feinha, mas honesta, mãe de família. Ninguém tinha "issozinho" para falar dela. Nem as invejosas, vendo que ela estava ficando rica. Aquela cara de quem estava eternamente gripada, sempre rezando, apoiando, passava uma credibilidade danada.

Virou pastor, quando se esborrachou na calçada. A chuva corria solta. Tinha tomado "todas", como em "todos" os dias. Parecia uma bola de sinuca: batia em uma parede, que o empurrava para o poste do lado oposto. O poste fazia o mesmo. a caçapa foi o buraco onde enfiou o pé e desabou. Falava de si para si: "Não empurra não". Na queda, olhou para cima. Coincidentemente, a lâmpada explodiu. Ficou cego por uns instantes; quando a visão voltou, jurou que viu Deus. Uns não acreditaram, porém há sempre os mais ou menos, que achavam que até podia ser "pois Deus está em todo lugar e, ainda por cima, protege os bêbados, tanto que nenhum perde o caminho de casa".

Chamou uns amigos para orar em casa. Noutro dia, um dos parças precisou encher uma laje. O Zé Pedro se ofereceu. Durante o serviço, foi chamado pra outro. Numa sexta-feira, chegou com a carteira assinada. Ali estava a prova viva do primeiro milagre. Toda vez que o povo se reunia pra reza, o Zé dava o depoimento dele.

A cada sexta-feira aparecia mais e mais gente. Alugou um galpão. Sempre precisava de um empreo, alguém sabia de alguém que precisava: "Milagre!!!". O Marreta, velho conhecido da portaria do puteiro da rua Sete, era o encarregado de dar um corretivo nos que batiam nas mulheres e nos filhos: "Milagre!!!".

Vivia cercado de fiéis. Às fieis mais carnudas, dava um beijo na testa, um em cada bochecha e o último no queixo. A moça estacava, como se estivesse na presença do próprio Deus encarnado. Era o homem que tinha Deus até no nome.

Primeiro milagre, de cachaceiro a pastor; segundo de pastor a vereador; terceiro, de verador a deputado; quarto, de deputado a senador; o quinto? Quem sabe??? Presidente? Não, aí era demais. Com as eleições, os milagres passaram a se multiplicar aos domingos, então, como tudo na vida precisa de adaptações, passou a vender os milagres aos domingos, contudo manteve a mesma filosofia: "Muldei para o domingo, porque Deus é justo e me disse: "Domingo é o final de uma semana e início da outra". Fiel descansado, abre a mão mais fácil, pois está louco para descansar.

Continuava cercado dos fiéis, porém dava especial atenção aos que pagavam o dízimo em dia. Para eles, arrumava o milagre na forma de uma merreca com carteira assinada no negócio de um amigo. Distribuía um subornuzinho para uma pinga no boteco do Pedro, que era seu, ou mandava o Materreta na casa do homem que batia na mulher, ameaçava o cabra de morte; se desse um piozinho, ia ver a grama crescer pela raiz, então a mulher gritava: Milagre!!!!

Agora andava cercado fiéis cabos eleitorais; fiéis assessores; fiéis lobistas; "fiés (?)" correligionários. Mudava de partido, como muda de roupa:"Oa amigos de hoje são os inimigos de amanhã. Bastava que lhe oferecem uns caraminguás a mais. Agrpina, de esposa, passou a laranja.

Contratava o "cabra eleitoral", se ele lhe desse metade do salário, para prestar serviço de "aspone" no seu gabinete. Havia tanto fiel contratado que, se todo mundo fosse trabalhar ao mesmo tempo, seria necessário alugar o plenário da câmara dos deputados.

Jamais abandonou sua igreja que se multiplicou. Agora habitavam galpões "balança, mas não cai" a torto e a direito. Ora as chamava de curral eleitoral; ora de viveiro de votos.

Foi morar no Lago Sul, onde os negócios só ocorrem, nas madrugadas, entre os "picas grossas" do Planalto. Negócios grandes. Eles é que mantinham o presidente no cargo ou o tiravam. Chamavam a isso de "sistema político". Viram nele um candidato a presidente...da câmera...mas presidente... Trocou Agripina pela Deusa, madrinha de bateria da escola Surucucu. Todo mundo elegiou. E os dízimos? Corriam soltos. Colocou até maquininha de crédito em todas as igrejas.

Foi perdendo credibilidade com os fiéis, quando cada lei que ferrava o povo, passava, ele berrava: "Jesus, essa lei não pode passar!!!". E pasava.

Jesus é o maior "cabra eleitoral" da história, mas luta capoeira como ninguém, fácil, fácil, deixa o cabra no chão. A derrocada vem principalmente quando o indivíduo perde o celular com o número de Deus. No entanto, em Brasília, os interesses são tantos, todo picareta pode se levantar. Um dia lhe contaram a História do Rei Lear, então expulsou os filhos do Planalto. Eles que fundassem suas próprias igrejas, porque ele ia ser presidente. Não sabia de que ou de quem, mas ia virar. Tinha a picareta e o buraco era grande.

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