ESTRUPO, ESTUPARO, ESTRUPRO, ESTUPRO
Introspectiva 2019
Era uma vez três alunos que apostavam toda vez. Foguete tem ou não tem ré? That is the question. Para o Barata, não; para o Bereta, sim. Para o Cabeça, depende do foguete. Saíram no tapa, só pararam quando o Tirion dedou o Google e não achou uma resposta na Wikipédia. 2019 foi o ano do Barata, dos ratos de sobrecasaca, do Jogo dos tronos, das apostas idiotas em seres idiotizados.
Leonardo de Caprio pôs fogo na Amazônia ou só financiou ONGs? A cinéfila destrambelhada soluçou, o ator era o Lobo em Wall Street, logo incapaz de matar uma mosca; a outra, apolítica do partido despolitizado, opinou que não se tratava de mosca, mas de uma mata virgem. Afoguear uma virgem era um descalabro, segundo o Barata. O Cabeça tinha uma irmã intocada. O Bereta tinha uma irmã deflorada. Sobraram arranhões na briga sobre a defesa da moral e dos bons costumes. 2019 foi o ano do delírio, da defesa da moral e dos bons costumes. Seja lá o que isso signifique.
O Cabeça jurou que a palavra correta era ESTRUPO. O Barata, a convicção em pessoa, afirmou: é ESTUPARO. O Bereta deu seu veredictum: era ESTRUPRO. Entrava eu na sala de aula, qual cachorro que caiu de mudança, quando me vi encurralado. Atacaram tal qual um enxame de abelhas fugindo do veneno da musa, afinal estava em jogo a venda azul, para os meninos tarados; a rosa, para os meninas regatadas; a amarela, para os indecisos, e o beijo da Bruna Santa Rosa. O Bereta pegou a azul; o Cabeça, a rosa; o Barata, a amarela. Protestou. Coitado. 2019 foi o ano do Bereta, da escopeta, da AK47, da 765.
Berrei: É estupro!!!. Diante do protesto geral, berrei mais alto: É estupro!!!. Caulos berrou mais alto com sua voz de trovão: “Tá de sacanagem, tá enrolano oceis”. “Tivesse eu uma caneta, obrigaria esse sujeito a confessar: “Vê se pode? “Estupro”. “Quereno enganar nóis” Clímax: A caneta apareceu. O Tirion sacou o Google. Epílogo: A Wikipédia dedurou. Eu já duvidava de mim. É “estupro” mesmo. 2019 foi o ano da descrença no óbvio, da ignorância travestindo a realidade.
O Google é o nosso HD externo. A Wikipédia atesta a nossa preguiça mental. O corretor ortográfico nos induz ao erro. O Facebook é o antro do “achismo”. O Instagram infla a autopromoção, a promoção do supérfluo e as frases motivacionais. O Twitter pare raivosos, escandalosos pais de “fake News”. Pais que desmentem “fake News” com “fake News”. A intensão é destruir ideais e reputações, além de induzir os que creem em ESTRUPO, ESTUPARO, ESTRUPRO a participarem de passeatas para acabarem com os pirralhos, os artistas incendiários, os terroristas fabricantes da educação perniciosa, a ciência manipulada e a mulher “feia” do presidente “feio”. Bandeira diria: “Como as mulheres são lindas! / Inútil pensar que é do vestido... / E depois não há só as bonitas: / Há também as simpáticas. / E as feias (...). Como deve ser bom gostar de uma feia! / O meu amor porém não tem bondade alguma.” 2019 foi o ano do discurso vazio, da fake news , do moralista fake, do político fake, do Brasil fake.
Um povo, que não sabe o que é estupro, é estuprado sem saber. A população está sempre de joelhos. E não é para rezar. O estupro é um crime tipificado no Código Penal Brasileiro em seu artigo 213 (na redação dada pela Lei nº 12.015/2009). Configura constrangimento da vítima, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou praticar ou permitir que, com ela, seja praticado outro ato libidinoso. É um crime hediondo, praticado mediante violência real (agressão) ou presumida (contra menores, alienados mentais ou pessoas fisicamente incapazes). 2019 foi o ano desse crime hediondo, praticado por governadores, ministros, senadores, deputados, prefeitos, vereadores contra a população.
Sofremos de uma doença grave, a deformidade educacional. Para o nosso regozijo, o ministro se disfarça usando óculos escuros ou se esconde debaixo de um guarda-chuva para que não o confundamos com Paulo Freire, como se isso fosse possível. Sofremos de outra doença grave, a deformidade moral. Para o nosso regozijo, ficamos sabendo pela ministra da mulher que, no PSL, os nobres membros não cometem atos de estrupo, estuparo e estrupro, afinal não enfiam crucifixos na vagina das suas membras. Sofremos com o “politiques”, o “economês”, o “juridiquês”. O que é “exclusão de ilicitude” o ministro Sérgio Moro sabe; você, não. Mas, saberá quando for uma pobre vítima ou uma vítima pobre de uma bala perdida com endereço certo. 2019 foi o ano da deformidade lavada a jato, da defesa descarada de uma ditadura embolorada, das leis obscuras escondidas nas entrelinhas.
A pena para estupro é de 6 a 10 anos de reclusão, mas pode aumentar de acordo com a gravidade do crime. Apesar da lei, grande parte dos estupradores sai impune. A vítima sofre tanto na hora do crime, quanto durante o processo criminal. Eu, você, nós, todos somos vítimas de um crime perfeito: não sabemos que não sabemos. Essa ignorância interessa a alguém, você já se perguntou a quem?
Era uma vez um povão que apostava cada tostão na sua omissão. Pelo código do presidiário, todo estuprador é justiçado. Nós nos recusamos a justiçá-los nas urnas. Nesse parque de diversões chamado Brasil, a dúvida permanece: ESTRUPO, ESTUPARO, ESTRUPRO, ESTUPRO. Um ou outro crê que é ESTUPRO. 2019 foi o ano da dúvida, da crise e da insatisfação.