Eu só queria pão

Eu só queria pão

(O BOCA DO INFERNO DIRETO DO PRESÍDIO)

- Larga esse saco, seu neguinho filho da puta.

- Mais, seu guarda, minha mãe vai me matar se eu não levá o pão.

- Larga logo essa arma no chão.

- Seu polícia, eu não sabia que saco de pão é arma não.

- Se não largar e continuar me ameaçando, te dou um teco nos cornos.

- O senhor tá com fome? Que comer? Não tem pobrema não. Busco dinheiro em casa e compro outro pão.

- Não adianta tenta fugi não, seu merda. Tô com fome sim, tô com fome de leão, fome de cão, mais tô mais com fome de nego ladrão.

- Não moço. Não sô ladrão. Pode perguntar ao moço, eu paguei o pão. Se o senhor qué? Eu dô.

- Não vem me subornar meliante. Te prendo agora. Ou larga esse saco ou morre.

O puliça vacilô. O moleque, sem querer, sacou o pão.

O puliça sacou o tresoitão, mais a merda mascou, emperrou e o tiro não saiu.

- Têje preso, disse o puliça.

- Seu Manoel sussurra: Mas ele não feiz nada, seu guarda.

- Cala a boca, senão te prendo como cúmplice. Deve ter alguma coisa nesse pão. Qualé? Cê come e fica doidão? Abre logo esse pão, porra. Tem alguma coisa aí.

- Tem só miolo.

- Miolo? Esse nome eu não cunhicia. Miolo, nome pra coca. Esses cara tem imaginação.

- Um pãozinho com mantega e coca eu gosto.

- Cê não tem vergonha nessa cara preta não? Como cê tem coragem de confessá na minha cara que gosta de coca. Ah! Agora é miolo. Esquici.

- Teje preso. Põe a algema.

- Mais não tenho ovo não. Gema com pão e coca ainda não vi, mais lógico que vô gosta.

- Criminoso filho da puta. Confessô na frente de todo mundo. O que é gema? Bala? Docê?

- Gosto de tudo isso seu puliça.

Levô um tampão no pé do ovido. Caiu em cima dos engradado. Quebrô umas dez cerveja.

Misturô os pensamento. Apareceu ôtro puliça e arrastaro o muleque pro caverão. Não tava entendeno porra nenhuma. Desde que saiu da barriga da mãe, não entendi porra nenhuma. Talvez por isso era alma boa, gente finíssima, que não fazia mal a ninguém. A doidera dele era subi na laje pra vê mulé pelada.

- Entra aí, vou te leva em cana.

- Gosto de cana.

- Esse moleque é doido, vô dá um pau nele.

E o caverão chegou em Bangu, o moleque saiu arrastado, o guarda o jogou na sela, avisou pra todo mundo que ele perigoso, escondia coca, doce, bala no pão, enfrentou a pulíça sozinho. O padero, chefe da quadrinha, tá no pau de arara. O PCB (Pão com Barata) nunca tinha pensado nisso, padaria, coca no miolo do pão e puxou o moleque pra txurma. Os do PBC (Putos babacas e cuzões) puxô o moleque pro lado deles. Moleque achô que era pra jogá bola.

Pensô que era dois time. Aquilo ali tem cara de estádio. Bateu a euforia. Todo mundo acho que tava doidão. Lá fora, o morro gritava o nome dele. Achô que era torcida. Entrô no estádio com as mão pra cima. Pediu camisa. Levou um tapão no pé do ouvido. Ouviu um zunido danado. Caiu de maduro. O jogo nem começo. Ouviu gritá lá fora: Liberdade... liberdade... liberdade... Ouviu seu nome no meio da gritaria. Saiu depois de dois dias de cana. Abriro o portão. Correu. Caiu nos braços da multidão. Gritô mengooo...mengooo... olhou pro pulíça com cara de puto lá em cima do muro. O coro de safado filho da puta, seu dia vai comeu solto.

Lá em cima, ficou pequeno. Alguém costuma ficar preso a vida inteira acreditando está livre pra fazê o que fazê.

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