A FÁBULA REALISTA DAS ABELHAS OPORTUNISTAS

A FÁBULA REALISTA DAS ABELHAS OPORTUNISTAS

A rainha das abelhas Iratim empanturrava-se de larvas e mel, quando se encantou com a filosofia de vida da cigarra vagabunda da fábula de Esopo. No entanto, acreditava que, com alguns ajustes, poderia ficar ainda melhor. A cigarra oportunista cantava durante o verão, deixando a formiga trabalhadeira acumular provisões. Com cara sofrida, a safada não tinha a mínima desfaçatez de pedir comida e abrigo nas noites frias de inverno. Da primeira vez, a boba abrigou-a sem pestanejar. Da segunda vez, descoberta a manobra, ouviu da workaholic um sonoro: NÃO. Então, a metida a esperta mudou de estratégia, passou a pedir emprestado, mas, como nunca pagava, a formiga preferiu cortar relações e mandou-a cantar em outra freguesia.

A rainha Iratim partiu da premissa de que a cada hora nasce um otário no mundo. Como otários trabalham em excesso, não têm tempo de criar estratégias para passar a perna nos trouxas obcecados por trabalho. Deu, então, à luz a sua própria filosofia: “A cigarra não viu o óbvio: os mais fortes não pedem, nem fazem barganhas; os mais poderosos tomam”. As Iratim têm um porte físico, tal qual os espartanos, de meter medo. A natureza estúpida, no entanto, impingiu-lhes um defeito inominável: nascem desprovidas da única arma poderosa conferida a sua espécie, o ferrão. Mas, o que importa, quando se tem o poder dos músculos e os meios para exercê -lo?

Como não produzem o próprio mel, as Iratim especializaram-se em saquear as colmeias das Jataís, as estúpidas acumuladoras de alimentos, que não se preocuparam em desenvolver armas eficientes para defendê-los. De tanto usarem e abusarem desse expediente, receberam de todas as espécies de abelhas, a pecha de ladras. Justificando o apelido, desenvolveram, como poucas, a arte da camuflagem. Devido à sua cor limão, misturam-se, facilmente, às folhagens e aos lodos dos troncos das árvores. Enganar para pilhar; vencer para escravizar; usar truques para conseguir o intento… São essas as adptações que a obesa rainha fez na filosofia da cigarra e ensinou aos seus súditos e eles a adotaram sem pensar meia vez. O importante é comer e beber sem ter de trabalhar.

Prevenindo-se do ataque iminente, a rainha Jataí convocou toda colmeia para lutar pelo reino e, lógico, por ela. A rainha sabia que, numa sociedade dividida em castas, são os pobres e minoritários que vão para as frentes de batalha, enquanto os ricos criam estratégias de fuga em caso de derrota ou nomeiam embaixadores para negociar os termos da rendição. Primeiro, são convocadas para a defesa as operárias, as forrageiras e as guardiãs; em seguida, a patuleia estropiada de guerras anteriores: as que perderam as asas ou parte delas; as mutiladas sem uma ou mais patas; as que sabem usar seus ferrões e as que não fazem a mínima ideia de como fazê-lo, isto é, qualquer uma que tenha um corpo para ser usado como bucha de canhão. Parodiam a máxima de o Incrível Exército de Brancaleone, comédia de Mário Monicelli: “Sigam-me, abelhas de pouca fé!”.

O guia histórico das invasões traz, em cada página, ingratas lições: os invasores, mais poderosos, cobiçam as riquezas dos mais fracos, por isso invadem seu território sem o menor pudor. A pilhagem, o estupro e a destruição da cultura fazem parte do pacote. Depois de arrasarem a terra e promoverem a faxina étnica, batem em retirada arrastando as nativas para garantirem as prostitutas de todas as horas e assim poderem se dedicar à pureza da raça. No entanto, há sempre os traidores da causa. Via de regra, apaixonam-se por alguma nativa, são impelidos a adotarem a cultura dominada, por isso têm pena de escravizar. Esses são sumariamente executados. O extermínio é inevitável.

A nobre aldeia Jataí que habitamos vive tomada por Iratins. As rainhas, dominadas e dominadoras, estão sempre no mesmo patamar, vivem no fausto comendo às custas das castas mais baixas sem levantar jamais a bunda do trono. Vivem de conchavos, temendo perder seus privilégios e se cagando de medo da futuros invasores. Se não podem combater o dominador, então juntam-se a ele. Nascemos devendo, sem sabermos por que, mas elas sabem. Na verdade, contam a nossa história travestindo-se de super-heroínas. Pensem: nossos super-herois não passam de saqueadores e mentirosos, estupradores e entreguistas. E ainda temos coragem de adotar a cultura invasora e lambermos a sola do seu coturno. A história, mais uma vez, insiste em se repetir.

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