FARMABAR

FARMABAR

FARMABAR: a maior invenção de todos os tempos.

            Cristaleiras iluminadas por lâmpadas de LED. Temperatura controlada por farmacêuticos especializados. Casulos abarrotados de xaropes, suplementos alimentares, comprimidos, cujas caixinhas acrílicas trazem tarjas, em neon, de todas as cores – um verdadeiro parque de diversões para hipocondríacos de todas as estirpes, ratos de academia e viciados. Todo esse arsenal divide espaço com outro igualmente bélico: cervejas híper-alcoólicas, alcoólicas, não alcóolicas e refrigerantes diet, light, dielight, água gasosa com mil cores e mil sabores, energéticos, vinhos orgânicos, zumbis orgânicos...

            Depressivos e ansiosos, botulínicos e anabolizados, ex-gordos e ex-velhos, ex-homens e ex-mulheres, idiotas e neurastênicos, bulímícos e anoréxicos, bipolares e multipolares se esbaldam. Agarram os estetoscópios de enfermeiras sexys, cujos aventais deixam transparecer, em neon, entre os botões, os nomes dos laboratórios patrocinadores da última droga alucinógena: verdadeira maravilha. Lentes de contato de hípermegasuper definição também foram criadas: outra maravilha. Provocam tonteira permanente, como as que atacam quem sofre de labirintite. Enlouquecem os abstêmios. Diabéticos são capazes de dar o que lhes resta de vida para conseguirem um par.

            Drogas lícitas, na cobertura, para quem pretende morrer devagar; no porão, drogas ilícitas, para quem pretende encontrar o doutor celestial mais rápido. O câmbio negro de receitas corre solto. Há seguidos leilões para arrematar o mais novo medicamento jogado no mercado. Lobistas pagam milhões, para quem quiser contribuir com a humanidade, tornando-se cobaia para experiências ilícitas, não autorizadas pelas autoridades de plantão ainda não subornadas.

            Marombados e plastificados pagam caríssimos tratamentos, nas salas privativas. Querem, porque querem ficar com a cara e o corpo de seus ídolos, Barbie e Ken. Suas peles parecem envernizadas, seus cabelos parecem palha seca. Suas peles estão esticadas ao limite do razoável. Gargalhar fica de cogitação: a musculatura pode romper e rasgar o rosto de fora a fora. Franzir o cenho? Nem pensar!

            Na parte da frente, há quartos com aparelhos de última geração para esticar e encolher qualquer parte do corpo, para moldar e corrigir, cortar e substituir sem deixar qualquer tipo de cicatriz. Os tomógrafos são capazes de antecipar qualquer tipo de problema. As transfusões de sangue instituídas criaram os vampirescos ricos tanto quanto as bolsas de sangue pobres. Os ticos sempre jovens e viçosos; os pobres, velhos precoces e bandidos.

Aos enfartados e estressados, depressivos e suicidas, psicopatas e sociopatas está reservada a parte dos fundos da FARMABAR, onde antidepressivos, ansiolíticos, neurologistas, psiquiatras, psicólogos e massagistas podem aliviar o estresse e as síndromes da vida moderna. Para domar os instintos, a terapia começa com uma sessão de sexo: para os homens, o sexo é azul ou até roxo; para mulheres é branco ou até pink. Tudo depende da necessidade, da experiência ou do estágio da doença.

            Sair num sábado à noite, escapar ileso do trânsito caótico, dos assaltos, da polícia e ainda encontrar uma mesa livre numa dessas maravilhas pós-modernas, podendo se receber diagnóstico com um médico catedrático, de última geração, ou fazer terapia com um psiquiatra, doutor “honoris causa”, já se tornou verdadeiro milagre. Macas anatômicas, balões de oxigênio, cabides de fibra de carbono segurando soro armazenado em capsulas, exoesqueletos, ficam nas vitrines, junto dos clínicos gerais e enfermeiros.

            As FARMABAR viraram a panaceia para todos os males.

            Elas são a última grande obra do engenho humano, glória das indústrias bioquímica, genética, estética e bioética; dos proprietários de bares, restaurantes e boates. Juntos formam a maior camarilha, a maior canalha, a maior confraria desse e do outro mundo. Até o diabo tem de pagar pedágio para entrar na capela.

Os governos, supostamente indignados com elas, baixaram medidas socioeducativas contra a automedicação, tentaram fechá-las,  porém não durou muito a onda cívica, até o próprio governo deu de ombros diante dos generosos subornos. E políticos, como se sabe, não contrariam interesses, se bem pagos. Os bandidos sem terno, gravata e crachá não foram institucionalizados como “os pés de chinelo”. Andam armados até as obturações. As próprias autoridades lhes fornecem as armas. Foram criados para desviar o foco, afinal, para uma população viciada em remédios, seria um desastre levantar suspeitas sobre o que ocorre dentro das FARMABAR. Para as autoridades, é sempre cômodo um inimigo de plantão. Eles não só desviam o foco para o aparentemente inútil, pois sempre propiciam, na surdina, novas fontes de renda.

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