
HOMENS MERIDIANOS
É tempo de morangos / É tempo de cerejeiras
É tempo de lucidez / É tempo de convulsões
Um de nós é verão / Um de nós é inverno
Um de nós é multidão / um de nós é solidão
Um de nós é verdade / um de nós é tempestade
Um de nós é psicologismo / um de nós é ineditismo
Um de nós vê o outro / o outro de nós não vê ninguém
Um de nós é porvir / o outro é porém
Um de nós é branco e preto / um de nós é o talvez
– Nunca terei amores proibidos, serei sempre fiel, homem de honradez
– Terei amores lascivos, paixões imorais, afinal só viverei uma vez
– Eu tenho a pretensão de não morrer
– Eu tenho a ambição do intenso viver
– Não quero ser um retrato inerte pendurado em uma parede amarelada
– Não quero ser personagem, uma cara na internet eternamente engessada
Sou alguém / Não sou ninguém
Sou algum / Não sou nenhum
Tenho carteira de identidade / Não tenho identidade, só sagacidade
Sou meu melhor amigo / Sou seu pior inimigo
Sou um homem calejado / Sou um quase homem aleijado
– Aleijado? Tolo. Idiota. Mentiroso
– Sim, aleijado. Veja com seus olhos, não seja medroso
– Eu falo o que penso, sou intenso
– Eu me calo, camuflado, sou tenso
– Preciso de atenção, reconhecimento, encantamento
– Prefiro que me deixem só , acocorado, sem pensamento
Somos um ser dividido / Não somos nada, nem parentes, nem amigos
Estamos em conflito? / Estamos? Não. Só você sim vive aflito
Você é minha arte, minha parte / Não. Sou o todo da parte, nunca a metade
Nasci, trouxe você comigo, um céu; outro abismo / Eu sou a dialética; você, maniqueísmo
Sempre fui sinistro, nunca destro / Agora me tornei um sinistro destro
Foi apenas um acidente / Convença a minha mente
Autopiedade? / Claro que não, veja no lago a verdade
A água do lago é turva / A vida não é reta, é uma curva
– Você não sabe orar?
– Você não sabe que não sei dançar?
– Nós não estamos só dialogando.
– Não, só você está falando, eu só estou aqui imaginando
– Então, quem é você?
– Não sei responder e nem tem por que.