Northern Lights

Northern Lights

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(Maravilhoso conto do escritor juizforano Geraldo Muanis)

Northern Lights

(Geraldo Muanis)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

I

            Ela vinha na minha direção quando tombou diante de meus braços que a esperavam há tempos, Não há como prever ou impedir o que pode começar com um simples olhar que se perde nas esquinas dos dias. Muito menos quando uma deusa suspira assustada em seus braços que se elevam e ganham forças para impedir a queda e ainda propiciar o átimo de tempo revelador.

            Alguém já lhe dissera que poderia ser um mero esbarrão. E você já a desejava, farejando faminto do outro lado da rua, com os olhos de águia sobrevoando as manhãs de caminhadas pelas ruas. Mas não imaginava o encontro fortuito. Marcado sem aviso. Sem saber o que se passava dentro daquela mente e daquele coração que se aquietaram em seus braços.

            Ela estava toda de jeans, coberta de panos contra a friagem que denunciava o sol enganador. Mas, você a descortinou inteiramente nua, selvagem, tentadora em sua pele de ébano. Poderia mesmo fazer amor com ela ali, na calçada, imune aos olhares, à idiotia e às idiossincrasias do mundo.

            Mas, ela é negra, suburbana, sem lastro cultural, sem linhagem, trabalha em uma fábrica de tecidos, tem a metade da sua idade, até menos, sobrevive aos solavancos, sem estudo… Não há futuro…

            Quem disse? Quem sabe? E daí, como diria a estúpida insipidez?

            Pois com ela abracei o mundo novamente, reerguendo os desejos e tentáculos para fazê-la dormir na quietude do depois de tudo.

            No ardor da chama sem estimulantes, sem medo, na entrega ao desconhecido sem reservas. Afinal, quem sabe quando tudo termina?

II

 

            E depois, muitos se assustaram quando em uma mesa de bar, sem qualquer afetação, ela foi a única a se comunicar com uma interlocutora em francês. Com uma citação das “Memórias de uma moça bem comportada”.

            Ninguém sabia, estupor, incredulidade, como se não lhe fosse permitido estar ali e saber, sendo obrigada a ser uma estrangeira e apenas fazer parte do cenário. A intrusa sabia o seu lugar e guardava no íntimo sagacidade e destemor, na serenidade e na sabedoria de um silêncio apavorante para os incrédulos e desdenhosos.

            Como suplantar a rejeição e a inveja sem violência e rancor? Pois a candura do coração não rimava com o penetrante olhar que faziam suas palavras reverberar com a solidez das certezas. Assim domava a sordidez e as incongruências de um mundo hostil, para sedimentar o próprio caminho. Aliada de Hermann Hesse e do deus Abraxas: para nascer, precisou destruir um mundo e construir outro.

 

 

 

III

            Foi esta mulher quem trouxe a quietude para caminhar enquanto caem as folhas deste domingo frio de outono a me relembrar das pessoas que um dia eu fui. A negritinha que roubou o coração de um branquelo. Seduzida pelo dinheiro. As manchetes sensacionalistas e preconceituosas, escondidas nas entrelinhas da convivência, eram traídas e denunciadas pelos olhares dissimulados e pelos maldosos murmúrios de quem não admitia a união. Mas, tornaram-se unos, Yin e Yang, a escuridão e a claridade, o avesso e o direito, o branco e o negro mesclados na cama e na alma, derrubando premissas e predições, desafiando aceitação e maldições. Unhas e dedos cravados na espiral do desejo.

IV

            Por que ela partiu tão cedo, corrompendo a ordem natural dos desenlaces? Foi fulminante, súbito, completamente sem chances, pois de uma forma inesperada e sem que pudesse ser socorrida a tempo. A vida é um átimo! Os médicos me disseram que a rotura, o rompimento do aneurisma cerebral, aumentou a pressão intracraniana e a compressão do cérebro pelo sangramento dentro da calota craniana. A causa mortis não foi a volumosa perda de sangue. Nina nada sentia, de vez em quando reclamava de dores de cabeça súbitas e intensas. Mas, que passavam, e ela foi deixando para ir ao médico depois, quando encontrasse mais tempo. Estava sozinha, partiu sozinha, sem assistência, pois perdeu a consciência.

            E era algo que poderia ter sido detectado em uma consulta de rotina. Tratado e evitado. Não tem explicação.

V

            Dois anos depois, lá estava eu, novamente, abatido em uma UTI. Sedado, inerte, mas percebendo vozes, tentando falar algo e sem saber se minhas palavras eram ouvidas. Quantos dias se passaram desde a cirurgia? Por que não me retiravam a sedação?

            Passaram-se horas, dias, semanas… (???) Levaram-me para um quarto. Porém, não me retiraram a sedação. Uma escuridão secular. Todas as vozes emudeceram. Do silêncio profundo de um nada absoluto pressenti, então, a visita da Grande Dama da Noite. Desenhos luminosos e ultracoloridos inundaram o quarto com sua dança hipnotizante. Vermelho, azul, amarelo, verde, laranja…

            As drogas injetadas no meu organismo me transportaram para o Hemisfério Norte e a maravilha descortinada pelos olhos sedados foi o lenitivo final para minhas angústias terrenas. As Luzes do Norte, anunciavam o fim da jornada. Os quartos e corredores do hospital desapareceram.

            Do centro da profusão de luzes emergiu uma espalmada mão negra, estendendo-se como um aveludado tapete a convidar-me para cumprir a travessia.

            Pela última vez, pude contemplar o mar e as montanhas em sua plenitude e grandeza. Estava cercado por sete colinas, próximo aos fiordes. Caminhei até o pier do fiorde e abracei a majestosa natureza em seu esplendor, com milhões de aves marinhas ao longo dos penhascos costeiros, e uma gigantesca águia desfilando seu poder acima da minha cabeça.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Northern Lights

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

I

            Ela vinha na minha direção quando tombou diante de meus braços que a esperavam há tempos, Não há como prever ou impedir o que pode começar com um simples olhar que se perde nas esquinas dos dias. Muito menos quando uma deusa suspira assustada em seus braços que se elevam e ganham forças para impedir a queda e ainda propiciar o átimo de tempo revelador.

            Alguém já lhe dissera que poderia ser um mero esbarrão. E você já a desejava, farejando faminto do outro lado da rua, com os olhos de águia sobrevoando as manhãs de caminhadas pelas ruas. Mas não imaginava o encontro fortuito. Marcado sem aviso. Sem saber o que se passava dentro daquela mente e daquele coração que se aquietaram em seus braços.

            Ela estava toda de jeans, coberta de panos contra a friagem que denunciava o sol enganador. Mas, você a descortinou inteiramente nua, selvagem, tentadora em sua pele de ébano. Poderia mesmo fazer amor com ela ali, na calçada, imune aos olhares, à idiotia e às idiossincrasias do mundo.

            Mas, ela é negra, suburbana, sem lastro cultural, sem linhagem, trabalha em uma fábrica de tecidos, tem a metade da sua idade, até menos, sobrevive aos solavancos, sem estudo… Não há futuro…

            Quem disse? Quem sabe? E daí, como diria a estúpida insipidez?

            Pois com ela abracei o mundo novamente, reerguendo os desejos e tentáculos para fazê-la dormir na quietude do depois de tudo.

            No ardor da chama sem estimulantes, sem medo, na entrega ao desconhecido sem reservas. Afinal, quem sabe quando tudo termina?

II

 

            E depois, muitos se assustaram quando em uma mesa de bar, sem qualquer afetação, ela foi a única a se comunicar com uma interlocutora em francês. Com uma citação das “Memórias de uma moça bem comportada”.

            Ninguém sabia, estupor, incredulidade, como se não lhe fosse permitido estar ali e saber, sendo obrigada a ser uma estrangeira e apenas fazer parte do cenário. A intrusa sabia o seu lugar e guardava no íntimo sagacidade e destemor, na serenidade e na sabedoria de um silêncio apavorante para os incrédulos e desdenhosos.

            Como suplantar a rejeição e a inveja sem violência e rancor? Pois a candura do coração não rimava com o penetrante olhar que faziam suas palavras reverberar com a solidez das certezas. Assim domava a sordidez e as incongruências de um mundo hostil, para sedimentar o próprio caminho. Aliada de Hermann Hesse e do deus Abraxas: para nascer, precisou destruir um mundo e construir outro.

 

 

 

III

            Foi esta mulher quem trouxe a quietude para caminhar enquanto caem as folhas deste domingo frio de outono a me relembrar das pessoas que um dia eu fui. A negritinha que roubou o coração de um branquelo. Seduzida pelo dinheiro. As manchetes sensacionalistas e preconceituosas, escondidas nas entrelinhas da convivência, eram traídas e denunciadas pelos olhares dissimulados e pelos maldosos murmúrios de quem não admitia a união. Mas, tornaram-se unos, Yin e Yang, a escuridão e a claridade, o avesso e o direito, o branco e o negro mesclados na cama e na alma, derrubando premissas e predições, desafiando aceitação e maldições. Unhas e dedos cravados na espiral do desejo.

IV

            Por que ela partiu tão cedo, corrompendo a ordem natural dos desenlaces? Foi fulminante, súbito, completamente sem chances, pois de uma forma inesperada e sem que pudesse ser socorrida a tempo. A vida é um átimo! Os médicos me disseram que a rotura, o rompimento do aneurisma cerebral, aumentou a pressão intracraniana e a compressão do cérebro pelo sangramento dentro da calota craniana. A causa mortis não foi a volumosa perda de sangue. Nina nada sentia, de vez em quando reclamava de dores de cabeça súbitas e intensas. Mas, que passavam, e ela foi deixando para ir ao médico depois, quando encontrasse mais tempo. Estava sozinha, partiu sozinha, sem assistência, pois perdeu a consciência.

            E era algo que poderia ter sido detectado em uma consulta de rotina. Tratado e evitado. Não tem explicação.

V

            Dois anos depois, lá estava eu, novamente, abatido em uma UTI. Sedado, inerte, mas percebendo vozes, tentando falar algo e sem saber se minhas palavras eram ouvidas. Quantos dias se passaram desde a cirurgia? Por que não me retiravam a sedação?

            Passaram-se horas, dias, semanas… (???) Levaram-me para um quarto. Porém, não me retiraram a sedação. Uma escuridão secular. Todas as vozes emudeceram. Do silêncio profundo de um nada absoluto pressenti, então, a visita da Grande Dama da Noite. Desenhos luminosos e ultracoloridos inundaram o quarto com sua dança hipnotizante. Vermelho, azul, amarelo, verde, laranja…

            As drogas injetadas no meu organismo me transportaram para o Hemisfério Norte e a maravilha descortinada pelos olhos sedados foi o lenitivo final para minhas angústias terrenas. As Luzes do Norte, anunciavam o fim da jornada. Os quartos e corredores do hospital desapareceram.

            Do centro da profusão de luzes emergiu uma espalmada mão negra, estendendo-se como um aveludado tapete a convidar-me para cumprir a travessia.

            Pela última vez, pude contemplar o mar e as montanhas em sua plenitude e grandeza. Estava cercado por sete colinas, próximo aos fiordes. Caminhei até o pier do fiorde e abracei a majestosa natureza em seu esplendor, com milhões de aves marinhas ao longo dos penhascos costeiros, e uma gigantesca águia desfilando seu poder acima da minha cabeça.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Northern Lights

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

I

            Ela vinha na minha direção quando tombou diante de meus braços que a esperavam há tempos, Não há como prever ou impedir o que pode começar com um simples olhar que se perde nas esquinas dos dias. Muito menos quando uma deusa suspira assustada em seus braços que se elevam e ganham forças para impedir a queda e ainda propiciar o átimo de tempo revelador.

            Alguém já lhe dissera que poderia ser um mero esbarrão. E você já a desejava, farejando faminto do outro lado da rua, com os olhos de águia sobrevoando as manhãs de caminhadas pelas ruas. Mas não imaginava o encontro fortuito. Marcado sem aviso. Sem saber o que se passava dentro daquela mente e daquele coração que se aquietaram em seus braços.

            Ela estava toda de jeans, coberta de panos contra a friagem que denunciava o sol enganador. Mas, você a descortinou inteiramente nua, selvagem, tentadora em sua pele de ébano. Poderia mesmo fazer amor com ela ali, na calçada, imune aos olhares, à idiotia e às idiossincrasias do mundo.

            Mas, ela é negra, suburbana, sem lastro cultural, sem linhagem, trabalha em uma fábrica de tecidos, tem a metade da sua idade, até menos, sobrevive aos solavancos, sem estudo… Não há futuro…

            Quem disse? Quem sabe? E daí, como diria a estúpida insipidez?

            Pois com ela abracei o mundo novamente, reerguendo os desejos e tentáculos para fazê-la dormir na quietude do depois de tudo.

            No ardor da chama sem estimulantes, sem medo, na entrega ao desconhecido sem reservas. Afinal, quem sabe quando tudo termina?

II

 

            E depois, muitos se assustaram quando em uma mesa de bar, sem qualquer afetação, ela foi a única a se comunicar com uma interlocutora em francês. Com uma citação das “Memórias de uma moça bem comportada”.

            Ninguém sabia, estupor, incredulidade, como se não lhe fosse permitido estar ali e saber, sendo obrigada a ser uma estrangeira e apenas fazer parte do cenário. A intrusa sabia o seu lugar e guardava no íntimo sagacidade e destemor, na serenidade e na sabedoria de um silêncio apavorante para os incrédulos e desdenhosos.

            Como suplantar a rejeição e a inveja sem violência e rancor? Pois a candura do coração não rimava com o penetrante olhar que faziam suas palavras reverberar com a solidez das certezas. Assim domava a sordidez e as incongruências de um mundo hostil, para sedimentar o próprio caminho. Aliada de Hermann Hesse e do deus Abraxas: para nascer, precisou destruir um mundo e construir outro.

 

 

 

III

            Foi esta mulher quem trouxe a quietude para caminhar enquanto caem as folhas deste domingo frio de outono a me relembrar das pessoas que um dia eu fui. A negritinha que roubou o coração de um branquelo. Seduzida pelo dinheiro. As manchetes sensacionalistas e preconceituosas, escondidas nas entrelinhas da convivência, eram traídas e denunciadas pelos olhares dissimulados e pelos maldosos murmúrios de quem não admitia a união. Mas, tornaram-se unos, Yin e Yang, a escuridão e a claridade, o avesso e o direito, o branco e o negro mesclados na cama e na alma, derrubando premissas e predições, desafiando aceitação e maldições. Unhas e dedos cravados na espiral do desejo.

IV

            Por que ela partiu tão cedo, corrompendo a ordem natural dos desenlaces? Foi fulminante, súbito, completamente sem chances, pois de uma forma inesperada e sem que pudesse ser socorrida a tempo. A vida é um átimo! Os médicos me disseram que a rotura, o rompimento do aneurisma cerebral, aumentou a pressão intracraniana e a compressão do cérebro pelo sangramento dentro da calota craniana. A causa mortis não foi a volumosa perda de sangue. Nina nada sentia, de vez em quando reclamava de dores de cabeça súbitas e intensas. Mas, que passavam, e ela foi deixando para ir ao médico depois, quando encontrasse mais tempo. Estava sozinha, partiu sozinha, sem assistência, pois perdeu a consciência.

            E era algo que poderia ter sido detectado em uma consulta de rotina. Tratado e evitado. Não tem explicação.

V

            Dois anos depois, lá estava eu, novamente, abatido em uma UTI. Sedado, inerte, mas percebendo vozes, tentando falar algo e sem saber se minhas palavras eram ouvidas. Quantos dias se passaram desde a cirurgia? Por que não me retiravam a sedação?

            Passaram-se horas, dias, semanas… (???) Levaram-me para um quarto. Porém, não me retiraram a sedação. Uma escuridão secular. Todas as vozes emudeceram. Do silêncio profundo de um nada absoluto pressenti, então, a visita da Grande Dama da Noite. Desenhos luminosos e ultracoloridos inundaram o quarto com sua dança hipnotizante. Vermelho, azul, amarelo, verde, laranja…

            As drogas injetadas no meu organismo me transportaram para o Hemisfério Norte e a maravilha descortinada pelos olhos sedados foi o lenitivo final para minhas angústias terrenas. As Luzes do Norte, anunciavam o fim da jornada. Os quartos e corredores do hospital desapareceram.

            Do centro da profusão de luzes emergiu uma espalmada mão negra, estendendo-se como um aveludado tapete a convidar-me para cumprir a travessia.

            Pela última vez, pude contemplar o mar e as montanhas em sua plenitude e grandeza. Estava cercado por sete colinas, próximo aos fiordes. Caminhei até o pier do fiorde e abracei a majestosa natureza em seu esplendor, com milhões de aves marinhas ao longo dos penhascos costeiros, e uma gigantesca águia desfilando seu poder acima da minha cabeça.

Compartilhar: