O DESACORDO ORTOGRÁFICO

O DESACORDO ORTOGRÁFICO

“MINHA PÁTRIA É A LÍNGUA PORTUGUESA” – Fernando Pessoa.

            Desde 1986, a Comunidade dos Países Lusófonos (CPLP) estudava a possibilidade de um acordo que unificasse a grafia da Língua Portuguesa. A constatação era óbvia: somos o único povo do mundo a possuir duas grafias oficiais e, portanto, a emitir sempre dois documentos oficiais. Parece brincadeira, mas não é: o Congresso não se preparou adequadamente para a homologação do Acordo, tal a sua preocupação com os escândalos políticos..

            Muitos professores se referiram ao acordo como “meia boca”, “meia sola”, porque não se aprofundou em questões fundamentais como a dupla grafia de palavras (facto / fato, herva / erva) ou regras gramaticais inadequadas, como a impossibilidade de iniciar as orações por pronomes oblíquos átonos. Quero e preciso esclarecer que o tal acordo só envolve a grafia, não envolve pronúncia e nem regras gramaticais. Ninguém falará LINGUIÇA, só porque a palavra LINGÜIÇA perdeu o trema. No entanto, a coisa se complicou porque há exceções nas regras de acentuação. Por exemplo: os ditongos ÉI e ÓI só serão acentuados nas palavras oxítonas (papéis, destrói), nas paroxítonas perderão o acento (ideia, androide).

            O hífen foi eleito o vilão das novas regras e poderíamos dizer, sem medo de errar, que os estudiosos foram tímidos ao propor essas mudanças, o melhor seria fazer como os espanhóis, aboli-lo, ou os portugueses, torná-lo, na prática, facultativo, do tipo: “põe quem quer e na hora que desejar”. Do jeito que está, há a necessidade de decorar um monte de prefixos e suas respectivas exceções. Por exemplo: as palavras cujos prefixos vêm associados a palavras iniciadas por H devem ser hifenizadas (pré-histórico, anti-higiênico). Exceção: o prefixo SUB associado à palavra HUMANO vê cair o H e o hífen. Fica, então, SUBUMANO.

            Na contramão desse processo, surgiram aqueles que defenderam uma mudança total na forma de escrever o Português. Vamos radicalizar e escrever como falamos. O que poderia parecer uma solução mágica, na verdade se converteria em um pesadelo. Deitaríamos alfabetizados num dia e acordaríamos analfabetos no outro. Uma reforma desse tipo, além de impossível, é irresponsável. As línguas mantêm entre si uma série de perspectivas comuns na escrita, como a historicidade das palavras, porém não se comportam da mesma forma no quesito fala. Não nos esqueçamos de que a língua portuguesa não é um bloco monolítico, ao contrário há várias línguas dentro dela.

            Guimarães Rosa, no Brasil, e Mia Couto, em Moçambique, reinventaram a língua portuguesa nas suas obras. Mário e Oswald de Andrade (Modernismo) defendiam a tese de que falamos a “língua brasileira”. Em Portugal, houve quem esperneasse para defender a “língua nacional” de Eça de Queirós e Fernando Pessoa.

            O Acordo Ortográfico é uma tentativa de nos aproximar cada vez mais de Portugal e dos países africanos, com a desculpa de que isso fortaleceria a língua portuguesa como instrumento de divulgação cultural. Será? O que torna o nosso idioma interessante é a sua diversidade.

            O falante nativo deve agora se preocupar com as regras antigas também, pois publicações anteriores ao acordo não foram revisadas. Está feita a confusão. E outra coisa ainda mais interessante: os acordos ortográficos entre Brasil e Portugal apontam para um histórico de traições. Sempre um dos dois os desrespeitou em nome da sua nacionalidade. É pagar para ver.

            Ah! Vestibulandos e “concurseiros” e jornalistas e profissionais liberais e secretárias e escritores e alunos, em geral, devem se preparar para escrever dentro das novas regras proclamadas. Muitos não se preparam, não. E não confiem no computador.

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