O LIVRO TRAÇA

O LIVRO TRAÇA

Livro traça

 

A traça salivou com aquele exército de capas e páginas enfileiradas. Fez o seu buraco casa nas estórias. Passou a comer substantivos e adjetivos. Extasiada, engoliu verbos, advérbios. Insaciável, deglutiu frases, páginas inteiras: algumas carimbaram os olhos; outras tatuaram a imaginação. Dormiu. Sonhou. Babou. Acordou com o desejo incessante: voar.

Livros estivadores carregam nos verbetes a pedra do significante, mas ela, de vez em quando, cai no corpo da linha, esfacela-se em mil pedaços. O feitor grita, portando regras e chicote. Eles escorregam para os espaços em branco, o autor camufla-os com significados.

Livros camaleões não encarceram frases entre margens, não trombam ideias com pontos finais. Capítulos transmutam-se em saltos com vara. Aquele ser paladino se lança no ar: uma parte de si fica no passado; a outra pousa do presente, pondo os olhos para correr na direção da futura emoção. A traça aprendeu: capas fechadas não matam histórias, ao contrário, elas sobrevivem nas reticências e no advérbio “mais”.

Um qualquer viu a traça voraz. Como todo grande leitor, estava grávida de palavras. Não fugiu. Entregou-se às unhas do seu carrasco, sem lutar. Ele nunca entendeu porque ela ria. Ria de satisfação. Como todo mundo, ela virou personagem. Livrou-se do seu metonímico buraco para-se agarrar à metáfora de se livrar: engolir livros até se empanturrar.

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