Pássaros

Pássaros

POSSÍVEL TEMA PARA OS VESTIBULARES

(Professor Luiz Cláudio Jubilato)

Pássaros

Pássaros cantam na minha janela todos os dias. O galo canta todos os dias às seis horas da manhã em ponto. Em frente, uma borboleta voa, pousa, voa, pousa. Há um show de cigarras todos os dias pedindo chuva e acasalamento. Ainda vejo o nascer e o por do sol da varanda. Vi a lua de sangue. Guardei na memória; não no celular. Aquela noite virou dia. Moro na cidade de concreto perto de uma avenida, carros trafegam em cima da fita isolante, sinônimo do progresso: escapamento da gasolina e do óleo diesel. Há engarrafamentos às seis horas da tarde todos os dias. A prefeitura cortou as árvores do lado do rio cheio de bosta para construir uma pista. No ano, que ainda vem, haverá eleições. Votos de bicicleta chegam mais rápido. O lixo derrubou uma árvore de idade incontável. Pessoas colocavam fogo nas sobras depositadas em cima das raizes: crematório de natureza. No próximo mês, no terreno, borboletas, passarinhos, cigarras serão despejados, subirá um lego de tijolos, vidros e aço. Dizem que será a obra-prima da arquitetura. Ironia das ironias, o outdoor propaga que o ponto alto da obra-prima será a churrasqueira na varanda. Daqui a pouco, das sacadas, famílias poderão perscrutar a intimidade da minha. Já providenciamos painéis. A cidade cresce empinada, arrogante; a seca cresce à custa de condomínios construídos sobre fontes e matas nativas. Agora os bichos incomodam ao invadirem os muros da bolha para retomarem a sua casa. A chuva ácida cai dando-nos a sensação de que vivemos em uma panela de pressão. A população reclama das autoridades que reclamam da poupulação.

Ainda tínhamos salvação. Não mais.

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