SEGREDOS CONFESSÁVEIS

SEGREDOS CONFESSÁVEIS

Quando eu tinha 18 anos, os professores não brincavam. Eram sérios como estátuas gregas. Pssavam de Sêneca. Todos dias, sem exceção, repetiam a frase como um mantra: "Vocês estão no ano do vestibular. Quem não estudar, não vai passar. "Era um pé no saco". Todo os dias, a mesma ladainha. Transformaram esse "troço" (o tal do vestibular) num monstro com muitas cabeças. Muitos amigos "piravam", viravam ursos: brancos, peludos e gordos. Esqueciam de viver. O mãe berrava: "Vai estudar, menino, larga esse disco. Disco não passa ninguém no vestibular". O pai batia a porta, como se não houvesse casa: "Onde está aquele vagabundo que não está estudando. Pensa que o meu dinheiro é capim?"
Os diretores diziam que tínhamos de escolher a profissão que exerceríamos para o resto da vida. Pensava: "O resto da vida é muito tempo".
Alguns amigos nasceram com o estetoscópio no pescoço: "Vou fazer medicina, penso nisso desde criança". O pai, do lado, levantava o queixo e sorria aquele sorriso de curinga e batia no ombro do idiota, rumo ao eterno, pensando: "Meu garoto". Um tentou, três vezes, entrar na UFJF. Decorou a apostila e se tornou, tempos depois, um dos melhores professores de biologia que conheço. A mãe e o pai nunca o perdoaram. "Não gastei tanto dinheiro com essa mula, para ele virar professorzinho de cursinhoc", dizia o pai, com cara de tomate, limpando o perdigoto com o dedo gordo de proctologista".
Eu era um sujeito confuso. Até uma certa parte do ano, pensava em ser diretor de teatro, depois escritor, depois jornalista, depois... Para tristeza da minha mãe, não queria ser padre, nem militar, nem médico. Depois de um conto publicado no diário Mercantil, por obra e graça do meu amigo Rufato, tive certeza: "Serei escritor". Não. Escritor, não. Imaginei-me jornalista, talvez influenciado pelo melhor amigo. Como sempre tive uma imensa dificuldade de obedecer ordens, nunca daria certo, avisaram-me.
Li muito. Os garotos da rua jogavam bola. O meu pai e o meu irmão achavam que eu era doido ou "bicha". Andava com discos de rock para lá e para cá. Talvez mexesse com o "cigarrinho do capeta". Para a tristeza deles, virei objeto de gozação. Imagine um irmão doido, ou veado ou drogado?!
Na fila de inscrição para o "vestiba", conversei com várias pessoas. Uma delas me disse: "O seu negócio não é aprender português a fundo? Então, porque não faz letras? Dei-lhe razão momentânea, então, mais uma vez, troquei, para desespero da família, que queria um filho "dotô". Seria "fessô".
Fui para o curso de letras. No primeiro dia de aula, deu vontade de fugir: "O que diabos eu estava fazendo ali? Dar aulas? Jamais..." Como sou teimoso, resolvi insistir. Comecei a gostar, mas vivia grudado na "galera" do jornalismo.
Com 18 anos, em 1978, as escolhas eram marcadas pelo desejo das famílias de que o filho alcançasse certo "status" e, por tabela, elas também. O negócio era ser médico, advogado ou engenheiro. O resto era "curso espera marido". Nunca ansiei ter um marido. Perdi a namorada. Deixei de ser invejado pela "galera".Comecei a trabalhar.
Hoje o leque se diversificou tanto que as mais novas profissões, "aquelas que darão a maior grana no futuro" sequer foram inventadas. É um "crime" pedir a um jovem para escolhere o que fará pelo "resto da vida". Falta-lhe tudo: vivência, conhecimento, maturidade, vontade...

Conheço uma imensidão de jovens que "chutou o pau da barraca", não cedeu às pressões do mercado, pulou de galho em galho, até descobrirem o que pode lhes fazer felizes.
Pergunte a uma pessoa de 40 anos ou mais, se ela, algum dia, pensou que carregaria no bolso o próprio telefone pela rua e/ou o próprio computador. Se ela imaginava o que seria a tal da internet e se,hoje, conseguiria viver sem ela. Observe quantas profissões surgiram a partir da internet, do celular e do computador. Nos meus 18 anos, isso não era sequer obra de ficção.
Tenho 56 anos, comecei a dar aulas com 18. Eu envelheço, meu aluno tem sempre 18 anos, então acompanhei "várias gerações" (?). Todas com as mesmas angústias. Tenho ex-alunos que trazem seus filhos para estudar comigo, então lá vem outra geração (?). Numa profissão tão desvalorizada, quanto a minha, considero-me um vencedor. Criei, há 25 anos o CRIAR, uma referência em Língua Portuguesa. Tudo o que tenho devo a ela, inclusive as pessoas que mais amo.
Não nasci para fazer outra coisa a não ser ensinar, provocar.

Meu jovem aluno, hoje angustiado, não se desespere: O VESTIBULAR NÃO É UM MONSTRO. E NADA É PRA SEMPRE.

Compartilhar: