UM HOMEM NA SUA GUERRA PARTICULAR

UM HOMEM NA SUA GUERRA PARTICULAR

Descobri noutro dia um homem, que vive. Vive em Buritizal. Tem uma vendinha. Não tem grandes ambições, a não ser conquistar amigos sinceros. Sua maior felicidade é ver o tempo passar, sem pressa, do lado daqueles velhos amigos que compartilham aquela conversa fiada a bordo de uma cervejinha de final de tarde, um carteado, de vez em quando, cada dia na casa de um, uma pescaria no final de semana, acompanhada de um churrasquinho de “gato”. Suas mulheres não são consumistas, não curtem passeios em shoppings. Não se dão ao trabalho de passar os dias e as noites diante uma tela lendo as supostas frases de Caio Fernando Abreu e Clarice Lispector no Facebook. Não foram apresentadas a eles, portanto não sabem ao certo e nem lhes interessa saber se são eles os verdadeiros autores dos disparates. Há coisas mais importantes. Preferem colocar cadeiras no portão. Fofocam sobre as últimas estripulias dos filhotes, dos últimos acontecimentos da cidade, das baboseiras dos políticos rastaqueras da cidade.

            Nós, adeptos da vertigem da cidade grande, dos últimos modismos das butiques da elite, da idiotice intelectualóide das redes sociais, da velocidade esnobe dos carrões importados, da loucura por encontrar instantes de felicidade fumada, engarrafada, cheirada, acharíamos a vida em Buritizal um "pé no saco". Nosso negócio é fazer negócios. Comprar os subornáveis. A caçada nos move. A natureza não nos deu caninos à toa. Precisamos sangrar e sangrar os desgraçados. Precisamos retribuir o que os "grandes" fazem conosco. Carne bem tratada nos salões da realeza política é carne suculenta. Temos ganância de devorá-la. Quem sabe, vivamos, a partir disso, a transubstanciação da riqueza corrupta. Somos capazes de passar por cima de quaisquer princípios, sacrificar paixões para sermos ricos, admirados, copiados. Honra? Que honra? Isso é para os idealistas famélicos de plantão.

            O maitre reserva cadeiras exclusivíssimas em lugares exclusivíssimos no restaurante exclusivíssimo. Rimos das piadas dos chefes dos chefes por obrigação. Eles sabem disso. Vale tudo. É o faz de conta. Tudo por uma promoção. Promovidos, outros nos puxarão o saco da mesma forma. Recuperaremos o investimento. É a pirâmide a qual escalaremos. Agora, vale mergulharmos até os ossos nos empréstimos bancários para bancar o caviar, o steak e garrafas e mais garrafas de Chateau Petrus. Na cara deles, sem pedimos licença, abrimos, a todo o momento, o I-Phone para conferir se ainda gozamos da presença de milhares de seguidores no twitter. Não conhecemos pessoas e jamais conheceremos. No entanto, elas servem aos nossos propósitos. Fazem parte do nosso networking, nos trarão fama. Aí sim, a vaidade nos levará à promoção. Venderemos nossa alma junto com geladeira para esquimó. Já podemos morar na cobertura.

            Depois do sucesso conquistado, o problema passa a ser mantê-lo. Trabalhamos cada vez mais, temos cada vez mais compromissos, recebemos cada vez mais propostas e não aprendemos a dizer: NÃO. Não queremos dizer: NÃO. O sucesso embebeda. Colocamos frases “inteligentes”, supostamente escritas por Caio Fernando e Clarice, no nosso perfil, para convencermos os trouxas da nossa. extensa “cultura” de Wikipédia. Para o homem de Buritizal, a nossa vida soa tão falsa quanto a última declaração do último prefeito de que não empregaria os parentes em nenhum órgão público. O que foi eleito no último pleito prometeu a mesma coisa, porém nomeou o filho para secretário da administração. Filho não é parente, é sangue do sangue.

            Durante boa parte das nossas vidas, o dinheiro nos corrompe. Corremos atrás do prejuízo, só que ele corre mais. Nosso corpitcho, depois dessa viagem, virará usufruto de médicos e hospitais. Usaremos cada centavo para sanar os males causados à nossa saúde pelas noites mal dormidas, pelo estresse contínuo, pelo medo do que os outros falarão de nós, pela perda de prestígio, traições diversas, pela proximidade assustadora com a falência. Infarto, AVC, alcoolismo, doenças autoimunes, os doenças do cérebro e do coração, o namoro com a morte nos assombrarão. Cada vez mais rápida, a modernidade exige cada vez mais da nossa lucidez, do nosso corpo e também da nossa capacidade de nos relacionarmos com quem quer que seja, por qualquer motivo que seja.

            Ficamos acamados, isolados, fracotes, mas nos recusamos a envelhecer. Nossa índole nos obriga a vampirizar, não nos saciamos jamais. Somos impelidos a sugar um não sei quê, sem saber muito bem onde e muito menos por que. Não somos felizes, não temos amigos sinceros, não pescamos, nem comemos churrasquinho de gato. Jamais seremos sem o poder. Nosso confessionário poderia estar do outro lado da tela, nas noites insones, porém não temos como desabafar. quem está do outro lado, lê, no máximo, três linhas. Isso, se houver um desenhinho bonitinho para ilustrá-las. Buritizal está tão longe do nosso mundo quanto a primeira e a última letra deste texto, que quase todos curtirão, contudo poucos lerão.

            Um homem de hoje tem extrema dificuldade de descobrir qual profissão abraçar. O imediatismo, a urgência se fazem necessárias. São as leis do mercado que nos impelem isso. Um botequim em Buritizal? Nem pensar. Amigos? Só os que nos levarão aos píncaros da Glória. Qual delas dá mais dinheiro? Qual delas não está saturada? Qual oferecerá as melhores perspectivas mercadológicas futuras? Seguir ou não os passos de "papai"? Afinal, não estamos numa angustiante guerra pelo sucesso? O que importa não é o "pudê"?

Uma dica gratuita desse tosco observador: O melhor negócio, hoje em dia, é investir numa farmácia ou em uma indústria, que faça pesquisa sobre drogas antidepressivas e/ou ansiolíticas. Ninguém suportará, por muito tempo, dentro desse submarino, a pressão, que vem do oceano de exigências dessa busca insana para sair do anonimato, ser famoso, estar entre os top, entre os "vencedores". As farmácias serão os maiores parques de diversões da modernidade. Se já não o são.

           

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