EU NÃO ODEIO POLÍTICOS

EU NÃO ODEIO POLÍTICOS

     Eu não odeio mesmo nenhum político. Não por qualquer um deles. É por mim. Para preservar minha sanidade mental. Não quero tomar um espaço a mais na minha cabeça com esse sentimento e, muito menos, carregar o peso negativo o qual dele provém. Afinal, tenho mais com o que me envolver emocionalmente, e de forma muito mais positiva. Mas, me dando ao trabalho de pensar nos políticos, e sentimentos evocados pela lembrança de suas imagens, questiono, unicamente, a insistência de tantos em sustentar posições maniqueístas. Ódio visceral e amor descomunal. Exageros imensos...Mas, ao mesmo tempo, não coincidentes, acidentais ou imprevisíveis. Apenas, ainda que não percebidas ou nítidas para milhões, consequências naturais e esperadas, em função de tendências comportamentais, tanto dos próprios políticos, quanto de seus adversários. Quase todas muito extremas. É desse extremismo, que surge a força e mitificação nonsense de vários deles. Não haveria resultado pior para a vida funcional e saudável da política nacional.

    Há poucos anos foi exibido, em todo território nacional, uma produção brasileira a qual narrava a história de vida de um conhecido personagem político. A começar pelo subtítulo, o filme, aparentemente, tentou estabelecer ideia análoga à vida de Cristo. O exagero manifestado a partir da arte - que seria quase desnecessário, se não fosse vital dizer - foi e, ainda é perigoso. Perigoso porque distorce a realidade. Realidade distorcida é sinônimo de análises falsas e condutas inócuas. Há, também, tentativas de analogia com outras personalidades da História. Nessas tentativas já esteve Mandela, com sua luta incansável, mas, madura e humanamente conciliadora, contra a segregação racial na África do Sul; São Francisco de Assis, com sua absoluta entrega à vida mais simples possível, em favor do acolhimento de tantos miseráveis e sofredores, e, Ghandi, com sua filosofia de protesto Stayagraha (não violência). Ou seja, apesar de todas as falhas, naturalmente humanas, de cada uma dessas figuras históricas, todas tiveram um ponto em comum: pelo menos, a partir de um determinado momento de suas vidas até seus finais, a atitude predominante foi de renúncia, simplicidade e extremo altruísmo a favor da ideia de amor e fraternidade. Portanto, é possível ou viável o estabelecimento de qualquer paralelo entre as atuações de tais exemplares figuras e, até o presente momento, quaisquer atitudes dos agentes políticos nacionais contemporâneos, seja quem for? Insistir nessa tentativa de comparação demonstra análise suspeita, confusão conceitual/factual e desrespeito à história da humanidade. Afinal, lamentavelmente – especialmente para o povo que “representam” – tudo o que a política nacional parece trabalhar é preservação, adulação e ampliação de egos oificiais, por meio da divulgação incondicional de supostos feitos (como se não fosse simples obrigação de função), os quais são, na melhor das hipóteses, muito pouco disassociados de interesses, exclusivamente, pessoais. O narcisismo e estímulo à idolatria, inseridos na cultura política nacional, estão se tornando tão comuns que já não são mais, facilmente, perceptíveis, especialmente quando a visão geral fica embaçada por poucas gotas de lágrimas, de crocodilo, que tornaram-se suficientes para passar sensação de fraternidade e confiabilidade, quando, na realidade, o desejo é sempre devorar, já nem sempre pelas beiradas. Lembrando que, para existir idolatria e fanatismo, é necessária a existência de fãs. Viktor Frankl, médico psiquiatra austríaco, dizia que o fanatismo é definido pela “absorção da individualidade na ideologia coletiva e o desprezo pela individualidade alheia”. Ops...Algo de familiar quando pensada a dinâmica política brasileira atual a partir da definição de Frankl???      

     Ficar em uma cela por 27 anos e, em algum momento desse período, recusar a liberdade em nome de princípios, dentre os quais também está, em momento posterior, o acolhimento fraterno de seus opositores. Abrir mão total de títulos de nobreza e ampla riqueza, para, já de início de sua vida abnegada, beijar a face deformada de um leproso. Protestar sem pancadaria ou apenas incitação a ela, e sem discursos inflamados e carregados de ofensas e mensagens desagregadoras, mas, com exemplos via próprio corpo e coerência pessoal. Abrir mão da própria vida, se expondo ao martírio, em grau máximo, para deixar a mensagem do perdão pleno. Atitudes essas próprias de pouquíssimos, dentre os quais não estão aqueles que fomentam, no imaginário dos povos, a convicção sobre a necessidade de haver autoproclamados salvadores da nação. Porque Nação é palavra de sentido, naturalmente, coletivo. Assim, sua origem, progresso e plenitude dependem, obrigatoriamente, de cidadãos conscientes e equilibrados. Não de histeria e gritaria violenta de fãs.

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