FINCABAUTE SI MESMO, RAUL E PADILHA.

FINCABAUTE SI MESMO, RAUL E PADILHA.

      Talvez o brasileiro tenha sido condicionado, mendigando biscoitinhos de variados preços, a viver o que não tem sentido, se comportar de modo nonsense. Na verdade, essa hipótese nem é novidade. Chegar a ser obviedade, notícia reprisada. Mas, o incrível, é que mesmo fazendo papel de ridículo coadjuvante de sua própria história tresloucada e, claro, tendo que assumir as consequências desse condicionamento apequenado consciente, ele insiste em sua isenção, ainda que descabida e destrambelhada. E tudo lhe parece são, aceitável e deglutível. Nada ou pouco do palco armado em horrores lhe soa insano. Pessimismo “golpista” nas palavras aqui expressas??? Antes fosse…

    A insanidade não permite visão e análise dos fatos de modo realista. Realismo é condição básica para continuidade do cenário vigente ou sua transformação. Portanto, qualquer outra tendência comportamental fora do realismo consiste em perigo e risco claro ao individual e coletivo. Até mesmo a ingenuidade, essa condição “purificada” do Homem, pode se tornar traiçoeira e mortal quando em níveis capazes de desfocar a realidade (ainda que a mesma seja uma questão filosófica). Até porque ingenuidade, logicamente, tem significado diferente da palavra consciência. Desse modo, é estado pleno de consciência o que deve ser almejado, de modo contínuo e progressivo, por cada compatriota. É importante perceber que a beleza da ingenuidade - principalmente em contextos filosóficos, ideológicos, políticos e sociais - é mais útil e menos perigosa em romances literários, não combinando bem com “situações baseadas em fatos reais”. A ingenuidade pode, inclusive, comprometer, negativamente, a coerência. Por exemplo, quando, mesmo que imperceptivelmente, se estimula intolerância entre classes sociais ao invés de as unir (o tal ódio, se existe, não é produto exclusivo de pássaros bicudos de vôos baixos, mas também, de estrelas já muito apagadas e ofuscadas por suas sujeiras) em nome paradigmas quaisquer. Ou, quando se nivela por baixo as exigências sobre os ocupantes de cargos políticos - responsáveis pela condução de âmbitos de vida de milhões país afora - enquanto profissionais de outros serviços (tais como profissionais da saúde, educação segurança) são exigidos além de suas possibilidades práticas, ironicamente, até em função da própria incompetência administrativa de quem não está sendo exigido “lá em cima”, principalmente, devido à tal “ingenuidade ideológica” popular que os protegem. Sendo assim, um sentimento possível e justificável do brasileiro seria a vergonha de seu voto. No mínimo, constrangimento em dá-lo. Não, exatamente, por ter sido em x ou y candidato/ partido. É simplista demais. Mas, independente de sua escolha ideológica, vergonha ou constragimento profundo por, provavelmente, já saber que, em algum grau, será lesado pela mesma, em seus direitos individuais e coletivos, em função da única dinâmica política perversa que o brasileiro parece admitir como possível. Afinal, há dúvidas sobre constantes negligências para com direitos de cidadãos em território nacional? Indubitavelmente, o voto é conquista histórica preciosa do povo, antes subjugado e desprovido de qualquer forma de poder sobre seu futuro. Contudo, o voto é apenas mais uma ferramenta capaz de continuar a mudança fundamental, que deve ser iniciada no interior das salas de estar das casas brasileiras. Mudança essa que diz respeito à noção de poder e a forma mais saudável de lidar com ele. Não!!! Tal ou qualquer mudança não é utopia. Se assim fosse, por exemplo, casa grande e senzala ainda estariam de pé, definindo oficialmente, na chibata e casórios arranjados, o futuro do brasileiro. É evidente que as demandas públicas essenciais no Brasil são comuns à todos. Quem não almeja por educação construtiva, segurança efetiva, saúde garantida? Então, por quê suas realizações não podem ser suprapartidárias, ressignificando e compartilhando, socialmente, o poder? É preocupante, doentio e em nada transformador o conformismo sóciopolítico que propõe, por exemplo, aceitar, para cuidar do galinheiro, a raposa que se acredita menos galinha matar. As exigências das ruas devem ser esperadas para a semana seguinte. Exigir que eleitos considerados suspeitos sejam afastados de seus cargos, no decorrer de investigações, é tão inviável e necessariamente lento? Reprovação de conchavos com velhas oligarquias, mesmo que em nome de suposta governabilidade, é questão de bom senso e demonstração antecipada de condutas problemáticas, ou, somente argumento de oposições frustradas por derrotas nas urnas (sem contar os milhões que não se definem situação ou oposição, mas, meros cidadãos)?

      A banda brasileira dos anos 90, cujo nome também empresta título a esse texto, tem como um de seus maiores sucessos uma música que reafirma Raul Seixas em relação ao significado da loucura. Contudo, enquanto Fincabaute expunha, com ironia, os prejuízos oriundos das' “sanidades sociais loucas e automatizadas”, Raul enxergava a loucura da verdadeira inovação como instrumento libertador. Talvez, também seja interessante e agregador pensar o efeito de toda loucura no cotidiano brasileiro com o complemento conferido por frase recente do cineasta José Padilha: “O Brasil perdeu a sensibilidade para o absurdo”. E não se trata de absurdo como licença poética.

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