A INESTIMÁVEL IMPORTÂNCIA DOS PRIMEIROS 44 MINUTOS.

A INESTIMÁVEL IMPORTÂNCIA DOS PRIMEIROS 44 MINUTOS.

     Quando olhei para o relógio digital, no painel do carro, marcava 0:44 do primeiro dia de 2016. Era uma carona especial que estava dando para uma senhora e seu neto, tendo como destino a casa de ambos, muitos queridos por mim e minha esposa. Entretanto, especial porque, na realidade, também se tratava do cumprimento de uma promessa, feita vários meses antes daquele dia. O prometido consistia em dar uma volta pela cidade, algo simples, não fosse a intenção de mostrar ao rapaz uma pequena amostra da face escura, seca e sem filtros de Ribeirão Preto. Por um momento, até imaginei que o dia escolhido não era o melhor, precisamente, em função da alteração de cenário urbano que a Festa de Reveillon provoca no mundo inteiro. Pensei que todos estariam enclausurados dentro de bares, clubes e boates, não permitindo o testemunho de parte da realidade - crua, silenciosa e cambaleante - a qual o rapaz precisava perceber mais atentamente, objetivando comportamento mais realista, coerente e humano. Porém, não foi bem assim...Foi muito mais além. E não digo, propriamente, pelo rapaz. E nem pela senhora. Digo por mim. Para meus olhos e coração, foi muito, muito...mais além.

     Enquanto transitava pelas regiões “high” da cidade, o óbvio, como também, o suposto óbvio se faziam ver e ouvir. Pelo óbvio, homens, mulheres, rapazes e moças, fisicamente bem cuidados e elegantemente trajados, sorriam e gritavam acenando as boas vindas para o novo ano recém chegado. E quanto ao suposto óbvio??? Possivelmente tantos aguardavam em filas, não tão desprezíveis, suas vezes de entrarem em alguns dos estabelecimentos mais conhecidos de Ribeirão, para que pudessem se divertir, mesmo que seus ensanguentados cashes assim os licenciassem apenas por aquela madrugada. Apenas??? Apenas!!! Clareado o dia seguinte, quantos devem ter feito as contas das próximas faturas esganadas dos cartões de crédito??? Contas que, presunçosamente, insistem em indicar quanto vale, para a consciência e bolso, não somente a aparência malhada, trincada, platinada, remanufaturada, etc, mas, a simples presença, montada em saltos e revestidas por blêizeres, durante minutos ou horas em posição dos antigos índios norte-americanos em estratégia de guerra. Parece ser mesmo a velha, cansativa e interminável guerra egóica, sempre presente, inclusive, nos estouros dos espumantes!!! E de tantos anos novos para cá, insiste-se em definir que cabe aos combatentes dessa guerra - especialmente os voluntários - não mais tentar decifrar qualquer coisa que seja. A “missão” consiste em, somente e fundamentalmente, devorar!!! Devorar à tudo e à todos, não importando a qualidade do cérebro, boca ou outra parte anatômica. Depois do rolé, visualmente fascinante, pelo universo nobre de Ribeirão, a direção tomada foi para o “universo suspeito” da cidade da cana. Da cana doce, mas, também, da cana de amargura aprisionante e impressionante - ao menos para a mínima condição de sensibilidade. O cenário, previsivelmente, apresentava tipos de personagens conhecidos, porém, com frequência, negados e esquecidos. Os sorrisos deram vez às faces de desconfiança e provocação. Os acenos foram substituídos por significativas gesticulações. Tudo isso, obscurecido por goles em garrafas e fumaças de cigarros. À céu aberto, na noite escura da teimosa desilusão e desacreditada reação. Naquele universo, as faturas dos cartões, provavelmente, há muito já faziam vítimas ou as já tinham fulminado, não reservando mais nenhum segundo para qualquer breve sensação de existência, importância e adequação. Desse modo, tendo as duas referências postas de forma direta e clara - sempre de acordo com a capacidade de percepção - tanto eu quanto a senhora que me acompanhava, tentávamos livrar ou, no mínimo, minimizar os efeitos de um permanente “porre mental e conceitual” que, até aquele momento, dominava o rapaz muito tempo antes do reveillon, e que o induzia a falar e realizar um apanhado de coisas sem sentido, descabidas e, até, perigosas, para si mesmo e para quem o ama. Ao mesmo tempo, intimamente, comecei a sentir considerável desconforto pois, de acordo com o que eu havia visto e revisto, minha primeira impressão foi de que o novo ano não teria significado mais do que a mera e constante contagem de horas, minutos e segundos, tornando apenas as noites em dias e o próximo dia na próxima noite. Entretanto, instantes depois, como a partir de uma atrevida, animada e sustentável eureka, retomei a crença e esperança trazidas pelo Ano Novo, ao perceber um fato que se apresentou como sutil detalhe: em ambos os cenários - tanto quanto em intermináveis outros - cada atitude, cada experiência tem o poder de fazer seu sujeito repensar seus próprios paradigmas, em função de suas inevitáveis interpretações, e nem tanto por seus resultados. E, naturalmente, considerando que o macro tem seu início no micro, talvez, quem sabe, aquele que seu viu enforcado pela próxima fatura do cartão se torne, em algum prazo futuro, o educador financeiro necessário. Semelhantemente, aquele que se lesionou ao cair nas guias das ruas, tamanho era seu descontrole etílico e desorientação geral, se torne, em qualquer tempo, um cultivador de vidas, livrando-as de pragas que assolam o mundo, de forma muito mais próxima do que se pode imaginar. Bem como, aquele que foi posto, carinhosamente, por alguns minutos, na posição de carona e aprendiz, reconheça e reaviva a humildade e serenidade para reconduzir suas passadas em direção ao pleno desenvolvimento. E, principalmente, aquele que conduzia um carro, tentando promover “passeio elucidativo”, comece a imaginar mais formas de ser melhor agente de cooperação para modificação individual e/ou social, sem jamais se acomodar ou desacreditar.  

     Sim!!! Quando o carro estacionou em frente ao prédio onde moram avó e neto, o que se destacava em meu semblante era um sorriso. No caminho de volta para minha casa, ao ver os poucos fogos de artifício que ainda estouravam no céu, dizia para mim mesmo e para a cidade ao meu redor… FELIZ ANO NOVO, RIBEIRÃO!!!      

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