MÁQUINA DO TEMPO

MÁQUINA DO TEMPO

“Falamos especificamente dessa capacidade que todos deveriam praticar: a mudança que objetiva facilitar o desenvolvimento humano.” – Valéria Sabater (Psicóloga)

 

Proponho, agora, com função de análise e reflexão sobre interpretações e mudanças, uma viagem no tempo, a partir de texto, o qual escrevi há 18 anos atrás, mais precisamente, publicado no dia 07 de dezembro de 2004. O título: O que dizem os números.

                “No final da semana passada, números foram motivos de comemoração governamental. A economia brasileira atingiu um percentual de crescimento – 5% - cuja última ocorrência fora há 10 anos. Acompanhado desse dado estatístico, veio o que foi considerado aumento de emprego no país (mais de oitocentos mil empregos formais e informais). Segundo a imprensa, o setor industrial foi o principal responsável pela promoção do bom índice de contratação. Desse modo, pegando carona nessa felicidade numérica, uma grande revista, de circulação nacional, realizou uma matéria que, embora tentasse reforçar e evidenciar o otimismo de milhões de trabalhadores potenciais (um termo elegante e sofisticado para desempregados), tinha, em suas entrelinhas, a perversidade de um sistema que, cada vez mais, torna-se discriminatório e inflexível.

                Domínio de Inglês e Espanhol, cursos de pós-graduação, experiência no exterior. Essas condições são decisivas, segundo uma das maiores empresas de recolocação profissional do país, quando se disputa uma vaga de trabalho. Mesmo assim, de acordo com os mesmos estudos geradores dessas pontuações, a remuneração para os cargos é bem abaixo do que suas qualificações profissionais demandam. Ou seja, ficam claras duas conclusões: a primeira se refere ao fato de que o brasileiro, vivendo o processo inevitável de globalização, tende a ficar muito mais prejudicado no cenário internacional, devido, entre outros fatores, à qualidade da educação institucional que recebe. Não é segredo, para qualquer indivíduo dessa nação, que as escolas públicas têm sofrido, constantemente, degradação por falta de atenção e interesse dos nossos representantes. E, obviamente, fica impossível contar com a iniciativa privada, também insatisfatória, para solucionar, ou mesmo, minimizar esse problema. Consequentemente, como proporcionar, à um número significativo de cidadãos brasileiros, condições como pós-graduação, se nem mesmo a graduação é acessível à maioria? Existem estatísticas que comprovam o funil devastador do ensino superior, pelo qual somente uma parcela ínfima (14,88% - IBGE), do total de jovens brasileiros (23.378.831 – IBGE) ingressa nas universidades. Sem considerar que desses 14,88% (3.479.913 estudantes – IBGE), somente 13,3% (466.260 estudantes – IBGE)  concluem o nível superior. Por sua vez, a segunda conclusão pode dizer que, cada dia mais intensamente, as profissões exercidas pelo brasileiro são prostituídas pelos empregadores, visto que no Brasil se paga muito pouco, em especial, proporcionalmente às responsabilidades e obrigações de muitos cargos ofertados. Assim, o profissional fica funcionalmente e moralmente, lesado, pois, é obrigado a se submeter aos diversos métodos de exploração trabalhista, comprometendo, mais seriamente, a criação de ofertas decentes e coerentes com o investimento educacional de uma vida.

                Ora, não é o caso ou questão de, como disse nosso presidente, torcer contra o atual governo, mesmo porque, estamos todos pisando o mesmo solo (o qual comprometerá a todos se ruir). Mas, é preciso ser claro e racional quando nos são apresentados números brutos, sem que eles sejam refinados por um processo de análise sensato e real. É inútil abrir duas ou três faculdades na mesma esquina, sem que as mesmas propiciem, aos seus frequentadores, conteúdos capazes de formá-los e prepara-los para o exercício e evolução profissional. Por isso, os dados de emprego podem ser concretos quando observados por uma ótica pela qual as funções são básicas, de baixa ou média qualificação (sem qualquer tipo de desrespeito pelas mesmas, pois têm seus valores sociais), ou, próprias para os eleitos socialmente pelo destino, os quais podem ter oportunidades consideradas utópicas para muitos outros que nem ao menos tiveram chance de conhecer “ilhas de prosperidade”, como os shoppings sofisticados dos bairros nobres de suas cidades.

                Não adianta discursar com base em estatísticas positivas referentes ao aumento das vagas direcionadas para funções que, ou são para os eternos “chão de fábrica”, ou, para os predestinados às “gerências de multinacionais”. O essencial não é, somente ou meramente, ter a chance de trabalhar sem saber para quê, para onde e por quê. É preciso, fundamentalmente, que essas oitocentas mil vagas ofereçam, ao trabalhador, o pão, e, também, a perspectiva futura de comer e caminhar, cada dia, mais.”

                Saindo de 2004 e voltando para 2022, mudanças são movimentos de vida fundamentais para nossa saúde, de modo geral. Para falar de maneira fácil e objetiva, mudanças, naturalmente, propõem novas visões e perspectivas, influenciando, diretamente, nossas interpretações de mundo, comportamentos e emoções. Assim, é lógico entender que a habilidade de mudar, a partir da ressignificação de conceitos, evita as disfuncionalidades próprias e oriundas do enrijecimento humano, o qual, frequentemente, é condutor para os extremismos. Desse modo, o texto acima trás situações as quais devemos analisar mudanças ocorridas, ou seja, se hoje vária situações se apresentam diferentes em algum grau. Por exemplo, a participação da iniciativa privada no ensino superior; o próprio ingresso no ensino superior público (embora, recentemente, covardemente fragilizado pela administração federal); número de jovens no ensino superior (17,7% em 2021), bem como, concluem o curso 17,4%; condições salariais do mercado, etc. As possíveis mudanças percebidas, ainda que tímidas ou aquém do ideal, naturalmente, podem desconstruir, nas raízes mais profundas, quaisquer convicções de algo estático, absoluto, definitivo. Em outras palavras, mudanças evidenciam a linha, incessantemente, contínua de processos, de quaisquer naturezas.

                “Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia, e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.” (Fernando Teixeira de Andrade) Sendo a travessia estreita ou mais larga, mais longa ou mais curta, é questão de saúde mental pública o conhecimento sobre o outro lado.

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