NITIDEZ PELO CELULAR X EMBAÇAMENTO A OLHOS NUS.

NITIDEZ PELO CELULAR X EMBAÇAMENTO A OLHOS NUS.

     Segundo o psicólogo Fernando Braga da Costa, “a moral e os costumes que dão cor à vida têm muito maior importância do que as leis, as quais são apenas uma das suas manifestações. A lei toca-nos por certos pontos, mas os costumes cercam-nos por todos os lados, e enchem a sociedade com o ar que respiramos.” Costumes… De fato, são muito mais importantes do que as leis, pois, não raro podem se tornar inquestionáveis, enquanto as leis são, no extremo oposto, muitas vezes, impulsivamente violadas. Se tão importantes, quanto atentos e cuidadosos os seres humanos precisam estar, para que os mesmos não se tornem simples habituação cega e violenta, a ponto de terem a capacidade de ferir gente inocente, por ignorarem a diversidade e as possibilidades humanas? Costumes tornam-se, ainda, controversos quando incoerentes frente à situações análogas - ao menos metaforicamente -, muito anteriores a eles, e que pouco receberam devida atenção e, por isso, nem chegaram próximas de tornarem-se costumes, mesmo que edificantes.

     Antes de aterrizar no Brasil, o jogo “Pokémon Go” teve, em um único mês, 100 milhões de downloads. Após sua aterrizagem em mundo virtual brasileiro, embora ainda não divulgados números oficiais, basta dar uma olhada pelas ruas, praças e outros ambientes para que se tenha clara noção de que downloads por aqui também tiveram números superlativos. Interessante, não??? Mas, igualmente, exemplo ímpar da controvérsia e incoerência já citadas. Visitas aos locais públicos, na procura de ver e capturar algo que não é real, em se tratando de um país no qual a invisibilidade social é uma das suas marcas pseudo-culturais, chega a ser cômico, mas, também, prenúncio e ao mesmo tempo confirmação de algo trágico. Algo que poderia ser entendido como uma versão comportamental contemporânea de absurdos, próprios, por exemplo, para alvo da acidez de um Boca do Inferno. Inferno, inclusive, talvez seja a palavra que melhor definiria a opinião de qualquer indivíduo, obrigado à invisibilidade, sobre a realidade do mundo que tem que aturar. Mundo esse que se alegra e sorri para um bicho fictício e virtual encontrado nas ruas, mas, com o empenho inversamente proporcional, não consegue enxergar e muito menos ter empatia para com a eventual condição - pessoal e profissional - de um cidadão. Ainda que a mesma, quase sempre, signifique, na realidade, algo essencial para a sociedade e, por isso, não deixe de ter REAL status, na medida em que possui indispensável função social. É por esse motivo, entre outros, que a invisibilidade social é tão violenta, pois, “coisifica” pessoas e suas atividades, ainda que ambas sejam, absolutamente, valorosas e imprescindíveis para a manutenção da saúde e vida de tantos que não atentam para “um alguém qualquer”. E, se assim ocorre com tais condições, a invisibilidade que marca as situações de extrema carência social, por lamentável lógica, é muito mais recorrente e intensa. Bom, também por infeliz lógica, tamanha invisibilidade é previsível quando produzida por muitos olhos que aprenderam, desde o “berço”, a somente enxergar - sem qualquer necessidade de realidade aumentada, pois o fazem até de muito longe - condições de riqueza, influência e poder. Essa visão social seletiva é um processo tão acentuado de desumanização que gera consequências inimagináveis, tal como a estranheza expressada por muitos dos “invisíveis” ao, finalmente, serem percebidos - seja por receberem um simples “bom dia”, até as mais efetivas condutas de valorização pessoal e/ou profissional à eles direcionadas. É válido, portanto, entender que, embora Pokémon Go também seja, apenas, um meio de diversão para tantos (os quais têm seus engajamentos sociais), o entretenimento em questão, quando interpretado a partir do cenário brasileiro, contém em si a simbologia perversa típica da alienação, definida por potenciais indiferença, inércia e segregação. Todas sempre seletivas!

     Pokémon, contração de duas palavras inglesas, significa “monstro de bolso”. Essas criaturas são diferentes entre si, pois possuem habilidades diferentes umas das outras, podendo, também, serem treinados para desenvolverem outras novas características. E, precisamente, por terem diferenças uns dos outros, todos são valorizados pois possuem suas importâncias. Ideia óbvia e básica? Aparentemente não, especialmente, no contexto social brasileiro...Do contrário, invisibilidade seria condição restrita ao conjunto de superpoderes de personagens de ficção. No caso do Brasil, onde um dos ditados populares mais conhecidos e aceitos é o que diz que “o brasileiro só sente quando dói no bolso”, talvez o que é invisível só comece a retomar sua visibilidade quando quem tanto deseja os monstros de bolso perceber a frieza e artificialidade que caracterizam as criações virtuais de computadores. Disse, brincando, uma querida amiga: “quem sabe se eu me fantasiar de Pikachu, alguém me veja e queira ficar comigo…” Mas, sem qualquer tom de descontração, não poderiam pensar o mesmo aqueles que, diariamente, estão trabalhando ou lutando por mínimo repouso nas mesmas praças, ruas, etc, onde “exércitos de pessoas” apontam celulares freneticamente para o “vazio”, não só em relação ao espaço…? Costumes mal raciocinados, verdadeiramente, podem ferir e até serem fatais. 

                        

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