A POSSÍVEL CONTRIBUIÇÃO DE MARY ANN EVANS PARA O BRASIL.

A POSSÍVEL CONTRIBUIÇÃO DE MARY ANN EVANS PARA O BRASIL.

          George Eliot era o pseudônimo de Mary Ann Evans. A romancista autodidata britânica assim decidiu pois entendia que somente por meio de um nome masculino suas palavras teriam força. Em sua época, consideravam que mulheres só eram capazes de escrever obras mais leves, sem maior profundidade de conteúdo. “Se prestares atenção no teu discurso, perceberás que ele é guiado pelos teus propósitos menos conscientes”. De fato, se considerarmos esse exemplo de seu pensamento, notaremos que Mary nada tinha de leve ou superficial, pois, esse dizer demonstra refinada percepção, capaz de arrastar de volta para a luz da vida um detalhe essencial sobre as relações humanas, no que tange à habilidade de comunicação e suas consequências práticas. Tal detalhe pode ser nomeado pela simples palavra “credibilidade”. Credibilidade oriunda da verdade mais interna que se quer falar. Credibilidade resultado da obrigatória coerência entre palavras e atos. E esse detalhe foi arremessado nas sombras e trevas da alienação por quem, convenientemente, têm todo interesse pela escuridão parcial, ou até total, a qual pode envolver a dinâmica social como um todo. Do mais, desde já, proporia à autora apenas uma modificação em sua frase, para que a mesma, em tempos atuais, faça completo sentido: substituir a palavra “conscientes” por “explícitos”.  

          Usar palavras, todos sabem, é uma habilidade - quase uma arte - importante de ser dominada. Seja, naturalmente, para a simples comunicação interpessoal, como também, para o exercício do trabalho profissional, a competência mínima na escrita e na oratória sustenta resultados básicos esperados por quem está precisando e tentando se comunicar. Ainda mais essencialmente, por quem deseja existir. E como será que anda o desejo de existência por essas bandas do Brasil? Ou, na realidade, seria acomodação na subsistência??? Divergências - ainda que o sujeito se esforce ao máximo em um autopoliciamento íntimo - entre o que é proferido publicamente e o que é dito a si mesmo - genuína expressão de suas verdades, como em um confessionário mental -, culminam em auto-traição ideológica. Fato esse que é inevitável questão de tempo, circunstância, verbo e comportamento não-verbal. Idealmente, ainda caberia (futuro do pretérito, pois no presente brasileiro, há mais tendências à reviver, incessantemente, mazelas pretéritas, do que descobrir novos futuros por meio de palavras genuínas e iniciativas) ao locutor garantir toda coerência entre as palavras e suas ações, caracterizando a sinceridade. Contudo, em contextos nos quais esse ideal fica comprometido - por n razões possíveis, mas, geralmente, maliciosas -, os interlocutores ficam obrigados à exercer sensibilidade em um exercício permanente de atestação de coerência, e às vezes, presos em um perverso e cansativo jogo de confirmação de verdades. E, quando essa sensibilidade falha, durante o tempo no qual a mesma não for recuperada, os termos que definem qualidade de vida dos interlocutores, individual e social, são enganação, inevitável frustração e derradeira queda. Daí a subsistência referida. Fica claro, então, que o brasileiro conseguiu a proeza de construir um diálogo social, tido como normal, pelo qual deve-se garimpar a verdade preciosa por detrás da mentira banalizada. E, como em qualquer garimpo, se acha a verdade de pouco em pouco (ainda que seja considerada a vastidão de significados filosóficos da verdade). Portanto, é indispensável que ela não seja desvalorizada e as oportunidades de modificação e transformação nelas contidas não sejam desperdiçadas.

          Dias atrás, o ex-presidente Lula afirmou, sobre o possível processo de impedimento da presidente Dilma, que “querem tirar o pobre do poder”. Realmente, os discursos são guiados pelos propósitos menos explícitos. Nesse caso, o provável propósito, não tão explícito, do ex-presidente é manter seu poder, na medida em que é seu o partido político o qual detém, atualmente, o poder. Já o que é mera palavra solta e vazia em seu discurso é “pobre”. Afinal, quem é pobre de fato, provavelmente, pouco ou nunca se sentiu com poder - e nos últimos tempos, ainda menos - exceto, é claro, o de tentar subsistir, resistindo até onde puder ao aumento de desemprego, diminuição de renda, aumento da inflação, violência galopante, saúde periclitante… Se a ideologia política vigente fosse, verdadeiramente, unificadora, agregadora e para todos - “o Brasil é um país é de todos mesmo” ? - haveria algum sentido usar a expressão “elite branca paulista”, na intenção debochada e intolerante de cutucar quem pensa outro rumo para o Brasil, principalmente, quando não pautado por visões partidárias? Se vivesse hoje, Mary Ann Evans poderia ter seu nome de batismo explicitamente reconhecido, pois, felizmente, como passar dos anos têm caído, significativamente, ideias de cunho preconceituoso, inclusive em relação aos gêneros. Afinal, falar turbilhões de palavras - tanto vazias de significado quanto cheias de terceiras e traiçoeiras de intenções - mas que, em algum momento, entregam a verdade de quem as diz, é prática, igualmente, de muitos homens e mulheres que exerceram e exercem o poder no Brasil.        

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