POUCO BOI PARA MUITA PIRANHA.

POUCO BOI PARA MUITA PIRANHA.

      É conhecido o hábito de Edson Arantes do Nascimento em se referir a Pelé, ele mesmo, na terceira pessoa. Fica muito claro que o objetivo dessa atitude é a preservação da absoluta integridade da personagem histórica real, ícone de quase perfeição esportiva no mundo inteiro, independentemente do que a “figura civil” do Edson Arantes tiver feito ou ainda fizer em sua vida particular. Como também é muito conhecida a tempestade de críticas feitas ao Edson Arantes, exatamente, por essa decisão de separação de identidades. Entretanto, provavelmente, pouquíssimos percebem que Edson/ Pelé não foi nenhum exemplo de criatividade ou genialidade a respeito desse tipo de comportamento. Por um motivo muito simples...Essa mesma atitude, praticamente, todo brasileiro tem. Contudo, tal comportamento de preservação se dá de outras formas, em outros âmbitos e já está, há muito, tão automatizado que não é percebido por olhos menos atentos e mais egocêntricos. Geralmente, o âmbito mais comum onde essa preservação ocorre é o social, quando há referência à responsabilidade sobre as mazelas e caos social no Brasil. Nesses assuntos, não sou eu, fulano, beltrano ou ciclano o responsável ou responsáveis, mas sim, sempre uma tal entidade “sociedade” ou “sistema”.

      Eu, tu, ele/ela, nós, vós, eles/ elas gostamos e gostam assim, com certeza!!! Assim... De alimentar sorrateiro desejo ou, até mesmo, de ficar na fissura de passar para trás qualquer um - até os de casa - como forma de resgatar o orgulho perdido nas ruas onde foi ou, somente, alimenta a paranoia de ser passado para trás. De avançar todos os sinais, não importando suas cores, porque tem a certeza do quanto direito possui, validando o vermelho exclusivamente para quem ousa contestar. De sapecar, sem a menor preocupação ou cautela de reconhecer a dura consequência para outras vidas - quando não as nega em função do seus tempos de existência, ainda que considere a possibilidade de “haver vida em Marte só por haver água”. De ficar só no blá blá blá, já que depois não terá o menor significado e importância a frustração e descrença que a mentira impõe para quem nela acreditou. De vagabundear, até ou principalmente quando é possível disfarçar tamanha inoperância, improdutividade e prejuízo a terceiros às custas dos mais valorosos nomes de profissões e/ou de estratégicos e fundamentais cargos. De não negar fogo, em nome da pura farra, mas também por saber - diferente de haver consciência - que serão outros a ter queimaduras em graus inimagináveis. De ostentar títulos - quase nunca totalmente idôneos - especialmente na frente de olhos que lutam - quase em vão - para sair da lanterninha da subsistência. E, ainda considerando a ostentação, posar de diferenciado, mas, contraditoriamente, alegando humildade e simplicidade em meio a ébria multidão. A realidade funcional não admite a criação de entidades para esquivar de responsabilidades. Os pronomes pessoais explicitam, de forma justa, objetiva e clara o fato de cada filho dessa pátria mamma escandalosa e tendenciosa ser responsável por sua pirraça e travessura. Os rappers Marcelo D2 e Projota, possivelmente sem querer, deram preciosa contribuição para pensar a população brasileira, não somente escondida ou diluída em sua forma macro de pseudo entidade, mas, também, em sua forma micro de família e carteira de identidade.

      A autopreservação indiscriminada chega em níveis tão extremos que alguns nem se dão o trabalho de criar ego e alter ego (um deles para servir de “boi de piranha”). O que fazem se assemelha, na prática, à um processo de psicotização que, à grosso modo, é o total desligamento da realidade. “Psicoticamente”, defendem e declaram absurdos, sabidamente impossíveis para mentes sãs, como a convicção de representarem modelos insuperáveis e inquestionáveis para, absolutamente, todos - ou no mínimo “iguais” - seja quanto à honestidade ou qualquer outro traço possível. É durante esses instantes de loucura extrema que surge a ideia do quanto seria gostoso e saudável viver e conviver socialmente, confiando nos brilhos dos olhos- próprios e alheios - e em sorrisos e palavras sinceras. Não haveria mais necessidades de “super homens”. Bastaria a presença, apenas, de Homens, na mais essencial concepção da palavra.

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