PRECISAMOS, MESMO E MUITO, FALAR SOBRE TANTAS COISAS...

PRECISAMOS, MESMO E MUITO, FALAR SOBRE TANTAS COISAS...

                Com qual frequência é falada, lida e ouvida a expressão "a sociedade é cada um"? Óbvio??? Sim. Mas, igualmente, útil para relembrança, pois, a obviedade desse conceito é, facilmente, condenada ao clichê e jogada no esquecimento. Se a sociedade é estranha, os indivíduos são estranhos. Se a sociedade é violenta, os indivíduos são violentos... Constatação simples, direta, sem firulas, sem maquiagens, sem disfarces. Talvez, seja nesse sentido que um dos assuntos mais comentados do momento tenha reforçada sua validade. Lava-Jato, lista de Janot, guerra na Síria, turbulência política na Venezuela, efeito Trump, etc...??? Não. Esses são ainda assuntos "lá da entidade sociedade", que a poucos ferem porque ainda aparentam não dizerem respeito ao íntimo individual, quase como - mais uma vez - apenas teorias de revistas de atualidades. Portanto, a questão é negá-los, apesar de divulgados hora a hora, há dias, meses e anos, nas mais diversas mídias, e não em treze fitas K7. Por sua vez, "Thirteen reasons why" pouca escolha oferece. Com senso de responsabilidade discutível, a tão comentada série - embora seu tema central ainda pareça merecer, somente, coxixos ao pé do ouvido - põe de volta, sob os olhos, a "feiura sentimental humana", atravessando, "tanta beleza produzida, pelo salão da esquina, em um dia de princesa". Tal como, faz exalar, sob todos os narizes, o fedor oriundo de tanta sujeira pseudo ideológica e comportamental, a qual se tolera, aceita e aplaude hipocritamente. Afinal, sobre o que é preciso falar?

                Exatamente por ter se alongado por mais de 50 minutos, sempre me lembro, como se tivesse ocorrido há poucos instantes, do primeiro manejo clínico de ideação suicida que realizei como psicólogo. Denso, desafiador, angustiante, potencialmente desestabilizador. Segundo a própria literatura clínica em psicologia, o suicídio é um dos temas mais sensíveis trabalhados em saúde mental, não apenas para o paciente, mas, também, para o psicólogo (e demais profissionais de saúde mental). Nada mais natural, afinal, o profissional, antes de sê-lo - munido de conhecimento teórico e capacidade prática - é, sobretudo, outro ser humano provido de sentimentos, princípios, desejos e temores.  O suicídio é, paradoxalmente, em essência e ao mesmo tempo, o grau último de tentativa de se sentir gente, e, por outro lado, também o polêmico e suposto ponto final da confusa decisão de não mais sofrer por, tão humano, ser. Então, nesse contexto, é preciso falar sobre o verbo ser, o qual tem mais sentido quando entendido, correlatamente, com o verbo estar e todo o seu dinamismo. Ele representa uma das bases principais em saúde mental, pela qual, se compreende que nada é estático e definitivo. Assim, implica em viver, o que não se resume às restritas ideias pasteurizadas, medíocres maniqueísmos, mentiras explícitas e verdades imutavelmente estabelecidas. Tanto quanto, a sociedade - cada indivíduo - precisa falar sobre os "certos", escutar os "errados" e resgatar os libertadores "talvez". A "normose" social precisa, de fato, ceder a vez para o que não é espelho e, principalmente, o que não é expectativa esteriotipada. Tecnicamente, é sabido que as raízes do suicídio estão, entre outras situações (caráter multifatorial), na crença dura e disfuncional generalizada, e, consequente descrença profunda na transformação funcional sobre tudo e sobre todos, ou seja, muito mais do que, isoladamente, na tristeza severa, conforme é considerado no imaginário leigo. Desse modo, é necessário falar sobre o verbo acreditar, que tem o significado de criar novas possibilidades, ainda que em meio à tantas cópias e simples repetição de paradigmas, como o paradigma do prazer permanente e a qualquer custo. É importante falar sobre dor e sofrimento os quais, sendo, em algum momento, inevitáveis, precisam ser reinterpretados e utilizados como alavancas para fortalecimento e desenvolvimento. Recordar que lágrimas, não raramente, lavam a poeira quer entra nos olhos, após queda involuntária no decorrer de toda jornada. Há de se falar sobre o conceito instantâneo e indiscutível de sucesso, na medida em que foi perdida a noção de sua relatividade, característica típica da mais saudável diversidade cultural. É urgente falar sobre a defesa indiscriminada do orgulho, a qual impede a revisão e incessante reforma de pensamento, pilar da habilidade ímpar que determina preservação da saúde mental em qualquer tempo e geração. É fundamental falar sobre medos e dificuldades, pois, dizer não tê-los jamais indica coragem, mas, sim, se agarrar à falácia que provoca traumas, quando a mesma se rompe nas certeiras e significativas instabilidades da existência. É preciso falar, falar e falar, enquanto se ouve, se escuta se acolhe. Esse é o movimento que constitui o ponto de equilíbrio entre saúde e debilidade, seja do corpo, mas, principalmente da mente e alma. Quando um indivíduo se modifica e melhora, outros o observam e podem acompanha-lo e, consequentemente, a sociedade...Para que servem os livros de História mesmo? Passar de ano, vestibular, concurso, ou qualquer coisa que os valham é, apenas, consequência de um ganho, imensuravelmente, maior.  

                Típicos do desenvolvimento humano, desde os primeiros segundos de existência, se expressar, silenciar, sorrir e chorar. O Homem é nascente e torrente de sentimentos. O sentir é único, voluntariamente ou não, intransferível. Não há razões para contê-lo, mas, infindáveis motivos para o acolher e orientar. Portanto, o conceito de vida vai muito além de respirar, sendo definido também, essencialmente, por despertar, tentar e, em algum momento, perceber algo realizar e se transformar, seja a trancos ou à galopes, mas sempre em sentido crescente. Desse modo, o número 50, conduzindo à tragédia e desperdício, se torna ainda mais sem sentido quando consideradas as inúmeras maneiras e intensidades de viver e inspirar.                             

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