QUEM PODE ERGUER A BANDEIRA?

QUEM PODE ERGUER A BANDEIRA?

     Tenho cinco tatuagens estampadas em meu corpo. Talvez, como deve ser com a maioria dos tatuados, a primeira vez, simplesmente por sê-la, teve para mim grande importância, sobretudo, estética. Afinal, a partir dela, em algum nível, meus paradigmas foram modificados. Entretanto, dessas mesmas cinco artes que carrego, uma mexe, estruturalmente, comigo. É uma lembrança, não somente de uma identidade, mas, principalmente, de uma ideia. Um significado maior. Contudo, admito, a partir dela em meu braço, a sombra de uma ironia, quase uma contradição. É por causa dessa quase contradição, cada uma das letras desse texto. Não há qualquer pretensão de análises estatísticas, acadêmicas, etc...Há, sim, procura de uma confissão sincera, sobre alguns valores básicos de vida, caracterizados pelo que não é, essencialmente, complexo.

      “Quando penso que cheguei ao meu limite, descubro que tenho forças para ir além”. Essa é a frase que confere forma à minha tatuagem, e direcionamento pessoal em cada vez que à ela recorro. Frase cuja mensagem seu autor detalhou, incessantemente, na prática, durante sua acelerada e multipremiada vida. Ayrton Senna, que hoje estaria com 58 anos, ultrapassou também Cronos, transcendendo toda noção de tempo e espaço, na mesma medida na qual seu legado, no que se refere às ideias e atitudes, são nortes significativos no presente e faróis confiáveis para o futuro. A capacidade de transcendência de Senna, já que do passado é dispensável falar. Transcendência de mentalidade e visão. Visão essa que aponta para minha quase contradição. “Eu não tenho ídolos. Tenho admiração por trabalho, dedicação e competência”. Minha quase contradição porque, em quem, dentre outros, no que for possível e alcançável, tento me espelhar, inspirar e impulsionar, - meu quase ídolo – não teve ídolos. Não ter ídolos foi determinante para que suas ideias e pensamentos, por décadas, tenham ecoado, como ainda ecoam, na linha viva da história. Ele próprio demonstrou, em vida, que é simples entender a razão desse fato e feito: acreditar, através da permanente busca de auto superação, que qualquer um pode alcançar o infinito, atingir inimaginável, construir o imensurável, transitando além de suas próprias deficiências, derrubando-as. Sem dependências e esperas acomodadas em relação à quaisquer outros. Mas, colaboração resolutiva e proativa. Jamais auto fragilização. Os restos mortais de Ayrton descansam em um belo gramado na cidade de São Paulo. O indivíduo venceu e pereceu nas pistas automobilísticas. Suas lições, para todos que queiram aprender e executar, não ficaram presas dentro dos limites físicos de sua morada eterna, podendo residir no campo coletivo, sem qualquer exclusividade individual. Não há contribuição maior ou mais contundente para os dias atuais do Brasil. Sua vida desmitifica a lenda. O “Rei da chuva” não nasceu em berço nobre esportivo. Foi antes plebeu, que após incansável autodesenvolvimento- e tantas derrapadas – mereceu sua coroa molhada. Coroa digna dos perseverantes, e não da falaciosa cor azul do sangue. Era Davi antes de se tornar maior do que Golias, através da parceria - no suor, pulmões, músculos e mente - com Nuno Cobra. Simbiose esportiva e social!!! Nunca parasitismo! O mínimo sinal público de arrogância do campeão prodígio eliminado por uma mea culpa, também pública, dirigida, especialmente, à um importante mas anônimo colega de equipe. As referências filosóficas e comportamentais de Senna ainda podem nos ensinar o contrário do que temos aprendido atualmente. O eu precisa estar sempre caminhando para além de si mesmo, sem aceitar qualquer privilégio ou mínimo favorecimento, especialmente, sem razão. Ao contrário, deve gerar benefícios e crescimento por e para nós, eles e elas. Assim, poderá ser construído um círculo virtuoso. Virtudes se retroalimentando e falhas humanas, mutuamente, se educando. Sem dedos na cara. Sem sorrisos debochados de desprezo. Almejar cumprimento da meta de tornar hábito a corrida, notadamente a mais perigosa, em atitude desprendida da noção de vitória individual em prol da vida e integridade, principalmente, de quem, apenas por determinados momentos, é adversário, mas, não inimigo.

      Minha pele estará marcada para sempre. Entretanto, não tenho a menor intenção de qualquer restauração. Cada vez mais entendo o porquê de Senna ser meu quase ídolo. “O importante é ganhar. Tudo e sempre. Essa história de que o importante é competir não passa de pura demagogia”. Até sobre o que penso ter sido uma de suas falhas, como homem que foi, me faz pensar, dele discordar, e me lapidar. Afinal, devo agradecer à minha marca, no meu braço esquerdo, pela lembrança que me cobra ir sempre além do que antes era meu limite. E devo respeitar, ainda que por vezes contrariado, os motivos que me fazem ser derrotado e, exatamente por isso, perseverar na busca do êxito. Fico, por fim, nesse momento, pensando se não deveria ter escrito esse último parágrafo na primeira pessoa do plural.                       

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