SOU MUITO POPULAR, MAS NÃO GOSTO DE PASTEL. PREFIRO ENROLADINHO.

SOU MUITO POPULAR, MAS NÃO GOSTO DE PASTEL. PREFIRO ENROLADINHO.

     Por falta de tempo, “almocei” salgadinho. Precisamente, quatro. Também pela falta de tempo, os devorei “semi sentado”. Na verdade, como quase todos ali, somente apoiado em um desses bancos altos de bar, embora, fosse uma salgaderia. Tempo é capital que, quase sempre, falta. Correria...Tradicionalmente, em reportagens, a correria ilustra o que é vida popular, com aquelas imagens do povão, indo e vindo, atravessando em faixas de pedestres, nas grandes cidades. Porém, a pressa, enquanto tentava sentir o gosto do meu almoço, não me impediu de aceitar pensamentos imprevisíveis, mas intrigantes, que saltaram em minha mente. A partir de algum estímulo, provavelmente, oferecido pelos sons, cheiros ou imagens que meu eu captava naquele ambiente centrão povão da cidade – porque um meu “não eu” talvez quisesse estar em um resort instalado em qualquer praia paradisíaca isolada – comecei imaginar algum(a) sujeito(a) engravatado(a) - jamais gravata amarela, segundo instruiu o governador fictício, personagem de Tropa de Elite 2, porque tal cor não dialoga com o popular  - entrando naquele estabelecimento comercial, obviamente acompanhado(a) de suas rêmoras (sendo necessário, vide dicionário), para forçar muito e fingir ser lambari. O detalhe é que o(a) lambari fake iria, com vontade muito duvidosa, apertar a mão justo de quem só desejaria, ao menos uma vez, com ele(a) inverter de posição, e viver algo parecido com aqueles quadros típicos de programas populares, como “um dia de princes..ops...de tubarão”. Hããã...E, considerando o estrago que causa ao atacar, trata-se, aqui, de tubarão branco. Basta, para que melhor se entenda, lembrar da cor do colarinho.

     Dialogar com o popular??? Só se for diálogo sobre moda, porque muitos(as) engravatados(as) inventam moda e o popular é que paga o preço dessa alta, mas, baixíssima costura, marcada por extremo mal gosto, garantido por todos os chiliques, ostentações, frescuras, esnobismos e escândalos possíveis. Que diálogo??? No máximo, retórica eleitoreira. Quando sentados(as) em alguma das cadeiras eletivas, esses seres humanos, geralmente, “não se encontram no gabinete no momento”, justo quando alguém, que lá os(as) puseram e sustentam, precisa trocar uma letra A com eles(as). Lambaris pra valer, daqueles que sempre estão sendo fritos nos botecos das encruzilhadas da vida, não têm e nunca terão patrimônios declarados em, aproximadamente, 2 milhões de reais. Nem de 11,7 milhões de reais. E, muito menos de 300 milhões de reais. A realidade mais comum é que a maior parte do cardume se sacrifica, diariamente, para ter, ao menos, o nome limpo para declarar, em voz alta, como único patrimônio. A ironia está no fato de que, na faixa de mar habitada por tubarões, o nome pode afundar o quanto for que, para tantos dos mesmos, não faz a menor diferença. Afinal, para esses, o importante até aqui, na história desse país, sempre foram porções de ouro já extraídas e as que ainda darão um jeitinho de extrair. Sim. Entre o falso aspirante à “lambari, popular” (ou qualquer termo que os valham) e o povo de verdade, há um abismo de possibilidades, vivências e realidades, somente, por vezes, ocultado por falas e atitudes demagógicas e hipócritas, ainda maiores que o referido abismo. E é assim também que acontecem os teatros nonsense, protagonizados por esses(as) pseudo populares, nas mesas de restaurantes populares, filas de ônibus urbanos, etc. Exemplos práticos??? É mesmo necessário citar?

     Quando um autêntico popular empunha uma garrafa de pinga, é considerado cachaceiro. Quando são “os outros” empunhando as garrafas da já mencionada bebida, esses recebem o título de apreciadores do produto nacional. Então, para estimular a quebra dessa sina da contradição, de vez em quando, seria interessante que tubarões fossem originais e inovassem, nesses mesmos períodos pré-eleitorais, oferecendo e acompanhando o autêntico popular lambari em ao menos um jantar de gala, nos mais requintados e finos restaurantes. Assim, de forma surpreendentemente nova, ainda que brevíssimo, os verdadeiros geradores de dinheiro se beneficiariam dos mesmos cardápios, os quais seus tostões, não raramente, pagam, mas, por e para mãos intrusas e abusadas. Enfim. Entendi que sou muito popular, do povão mesmo, mas não gosto de pastel, pois o considero mais seco do que o ideal (seria, por esse motivo, seu breve consumo eleitoral um simbolismo político?). Prefiro enroladinho de presunto e queijo. Acho que, só por isso, denuncio um pouquinho de sofisticação. Será??? Talvez, um dia, eu consiga ser um lambari maiorzinho, suficientemente educado para saber me portar melhor em águas que, hoje, estão infestadas de ferozes tubarões, os quais tentam se disfarçar de qualquer coisa, porém, têm enormes dificuldades de esconderem os dentes gigantes, brilhantes e famintos.

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