Em se plantando, nem tudo da...

Em se plantando, nem tudo da...

Em se plantando, nem tudo dá...

(Estado de São Paulo, 31/10/10, Caderno Aliás)

Costumo escrever sobre agricultura integrada sob a ótica de um cientista da Universidade de São Paulo, árduo defensor, torcedor e planejador desse setor de grande importância no Brasil. Hoje fica difícil discorrer a respeito sem misturar o tema com a política, pois é o oxigênio do dia.

Em uma revolução silenciosa, nossa agricultura, sem subsídios, teve um desenvolvimento espetacular nos últimos 15 anos, adquirindo status, respeito e liderança mundial, pela competitividade adquirida e potencial de desenvolvimento. Percebo isso claramente nas minhas viagens a congressos, apresentações e debates, onde querem entender o que fizemos e o que faremos. O agronegócio contribuiu com US$ 55 bilhões de saldo na balança comercial em 2009, será até mais em 2010, salvando a economia de se tornar deficitária. Interioriza o desenvolvimento, distribui renda, gera emprego, tecnologia, inovação.

Mas não tem prioridade política no Brasil. Mereceu menos discussão que o aborto durante as eleições e não elegeu proporcionalmente à sua importância econômica de um terço do PIB. Outro anacronismo, talvez único no mundo, é dispor de dois Ministérios (o da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e o de Desenvolvimento Agrário), lamentavelmente considerados de segunda linha, que cuidam muitas vezes antagonicamente do mesmo assunto. Contrapõem a pequena agricultura com a grande agricultura e o agricultor contra o meio ambiente, como se pudessem caminhar em separado.

Este governo termina com louváveis resultados em inclusão social e distribuição de renda, acesso a mercados, aumento de consumo de alimentos e desenvolvimento, entre outros pontos amplamente reconhecidos. No entanto, poderia ter feito mais para melhorar a competitividade estrutural do agronegócio e da economia removendo seus custos. Não foram feitas reformas tributárias nem trabalhistas e investiu-se em logística menos que o necessário para manter a situação existente (já lamentável), drenando recursos dos produtores e de nós todos com as perdas. A política de juros e o câmbio asfixiaram a agricultura, nitidamente sem capital e exportadora por essência.

Nossa defesa animal e vegetal, por sua vez, ainda é muito vulnerável, e na área ambiental continua o imbróglio. Não se avançou no respeito ao direito de propriedade, tivemos aumento de assaltos privados e públicos às propriedades, seja por gangues fortemente armadas aterrorizando proprietários rurais e suas famílias, ou pela extorsão a produtores por fiscalizações de ditos “funcionários públicos”, devido à confusão jurídica nas áreas florestal e trabalhista. Em muitas regiões do País, os trabalhadores não querem ser registrados e com isso perder os benefícios de bolsas do governo, o que torna o produtor ilegal. Necessitamos mudar as bolsas de apoio, pois na forma atual desestimulam as pessoas a caminharem com as próprias pernas, onerando a produção com impostos cada vez maiores. Enfim, com a incrível força popular dada por 80% de aprovação, um Governo em oito anos deixar toda esta agenda para trás, foi omisso.

Como cidadão que vota hoje, espero que o vencedor possa contemplar as novas gerações de brasileiros liderando com vontade as reformas estruturantes que este país precisa. Na política, que não sejamos mais ridicularizados internacionalmente pela escolha de um palhaço quase iletrado como o mais votado redator de projetos legislativos. Que PT e PSDB vejam seus muitos pontos de convergência e que sua posição política conflituosa e antagônica até hoje só prejudicou, pois valorizou injustificadamente, para ter governabilidade, o que há de mais podre no sistema político. Que a autoridade presidencial faça jus à nobreza do cargo, de expediente integral e de respeito às instituições, a partidos políticos e a candidatos oponentes. O país de hoje foi construído e transformado por gerações de brasileiros em décadas de trabalho árduo e não é fruto apenas destes 8 anos. Que a medonha frase “como nunca antes na história deste país”, símbolo mor da arrogância, da soberba e da falta de humildade nunca mais seja pronunciada.

Que o vencedor possa fazer ampla modernização do Estado, simplificar suas operações, não o confundindo com seu partido político e preservando nossas Estatais com gestões públicas e técnicas, perseguindo padrões de excelência e indicadores dignos de uma gestão privada.

Finalmente, que o vencedor priorize não apenas em palavras, mas em ações, orçamento e investimento para o agronegócio. Trará muito mais renda para que se possa distribuir e atingir seus objetivos políticos e de governo. Temos a Copa e a Olimpíada, que representam uma enorme oportunidade para a nossa inserção mundial, mas também um grande desafio. As condições colocadas ao Brasil são muito boas, portanto, não nos decepcionem.

Marcos Fava Neves é Professor Titular de Planejamento na FEA/USP Campus de Ribeirão Preto ([email protected]) Autor de 22 livros publicados no Brasil, Argentina, Uruguai, Estados Unidos, Holanda e África do Sul sobre agronegócios.

 

 Prof. Dr. Marcos Fava Neves

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