Entrevista sobre o futuro do agro

Entrevista sobre o futuro do agro

24/01/2012 às 22:06

Anderson Viegas
Do Agrodebate

O engenheiro agrônomo e professor doutor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), Marcos Fava Neves, é um dos maiores especialistas do País em agronegócios. É membro do Conselho do Programa de Agronegócios da universidade (Pensa) e criador do Centro de Pesquisas e Projetos em Marketing e Estratégia (Markestrat). Ele é autor, co-autor e organizador de livros no Brasil, Argentina, Estados Unidos, Africa do Sul, Uruguay e União Europeia. Sua obra se caracteriza pela proposta de métodos (frameworks) para solução de problemas empresariais e de cadeias produtivas pela inserção internacional. Neves que será o principal palestrante da edição 2012, do Showtec, amostra de tecnologia do agronegócio que será realizada pela Fundação MS em Maracaju, em Mato Grosso Sul. Ele abre a programação do evento no dia 25 de janeiro e nesta entrevista ao Agrodebate abordou alguns dos assuntos que devem fazer parte da apresentação, como o potencial do Brasil no agronegócio, citado por ele como uma potencia mundial nessa área e ainda os gargalos que dificultam esse crescimento. Confira a íntegra da entrevista. 

Agrodebate: Professor, estudiosos apontam que o Brasil deve se tornar uma potência mundial em razão de sua capacidade para produzir commodities. Como o senhor analisa essa perspectiva?

Marcos Fava Neves: O Brasil já e uma potencia mundial nesta área. A balança brasileira fechou 2011 com superávit de US$ 29,8 bilhões e o agronegócio com US$ 77,51 bilhões. Se o Brasil perdesse o seu negócio agro, a balança viria de um saldo de US$ 29,8 bilhões para um déficit de quase US$ 48 bilhões, complicando a economia brasileira. Nossa capacidade de expansão e tão grande que nos coloca na primeira divisão mundial em alimentos e bioenergia. Os números finais de 2011 do agro brasileiro surpreenderam as mais otimistas projeções.  As exportações cresceram 24% em relação a 2010, chegando a US$ 94,59 bilhões. E definitivamente um agro-país. Um incrível volume de recursos que permitiu importarmos notebooks, tablets, carros, vinhos, roupas e realizarmos viagens ao exterior. Pagamos por esta farra de importações, basicamente, com o dinheiro trazido ao Brasil pelos agricultores.
 
Agrodebate: Quais são as grandes vantagens do País para ser protagonista na produção  de alimentos?

Marcos Fava Neves: O agricultor brasileiro está de parabéns. Este cidadão que nos coloca na primeira divisão mundial, responsável pelo pouco crescimento que nossa economia teve em 2011 e o feroz aliado no combate da inflação, pois inunda nossos mercados com alimentos bons, gerando ainda excedentes que são exportados.  Em 2011 estes excedentes chegaram a mais de US$ 90 bilhões, advindos da exportação de diversos produtos, desde açúcar, suco de laranja, papel e celulose, fumo, carnes, algodão, milho e café. Enfim, uma pauta muito diversificada de produtos e de mercados, pois nossos produtos estão sendo exportados para um grande número de países, notadamente asiáticos, que para nossa sorte, crescem a taxas impressionantes e não tem e não terão capacidade de produzir para alimentar cada vez mais gente, mais rica, mais urbana e demandante. Em síntese, são pontos fortes: diversificação e competitividade, capacidade de responder a demanda mundial, mercado interno grande, tecnologia, sermos supridores internacionais, termos terras disponíveis, imagem internacional favorável, não termos subsídios, termos estabilidade econômica e política, recebermos investimentos internacionais, liderar a produção mundial e, por fim, termos empresários de altíssima qualidade e capacidade inovadora. 

Agrodebate: Quais os gargalos, que atrapalham a evolução deste cenário?


Marcos Fava Neves: 
Agricultores lidam com coisas vivas, que são dependentes de chuvas, que as vezes faltam ou vêm em excesso, têm suas produções atacadas por pragas e doenças e custos de produção preocupantemente crescentes. Fora isto, sofrem com a arcaica legislação trabalhista, que não foi desenhada para as especificidades do setor, tributos crescentes para sustentar um Estado cada vez mais agigantado, loteado e aparelhado, custos de capital recordes, além de uma condição logística medieval para exportarem seus produtos. Estes heróis contam ainda com uma crescente violência no campo, com assaltos seguidos nas propriedades e dificuldades das mais diversas. Passou um ano do novo governo e absolutamente nada melhorou. Andamos de lado. Mesmo com estes desestímulos, os agricultores trouxeram estes resultados incríveis para a sociedade brasileira, e merecem nossa admiração. 

Agrodebate: Mais que produzir, falta ao agronegócio brasileiro marketing internacional?


Marcos Fava Neves: Tem melhorado bastante, mas ainda falta. E grande o desconhecimento do Brasil como um todo, sua capacidade empresarial, mas estamos dando passos largos para melhorar. Estudar os números do consumo de alimentos na Ásia trás animação um grande produtor e exportador de alimentos. Porém, o tradicional foco na China negligencia outros importantes mercados consumidores. Estimativas mostram que o mercado indiano de alimentos saltará de US$ 155 bilhões em 2010 para US$ 260 bilhões em 2015. No mesmo período analisado, o mercado tailandês crescerá 50%, o do Vietnã 65% e o da Indonésia saltara de US$ 65 bilhões para US$ 100 bilhões, fora os países árabes e a África. A produção de alimentos tende a crescer nos países asiáticos, mas apenas até o momento onde sua capacidade de recursos produtivos aguentar. E em muitos destes países, esta se encontra no limite ou próximo deste. Portanto, existe oportunidade. Os impactos da atual crise mundial tendem a ser menos sentidos nos emergentes e no mercado de alimentos, pois em comparação o turismo, habitação, automóveis, eletrônicos e supérfluos, os alimentos são os últimos a serem cortados em época de orçamento restrito. 

Agrodebate: Da mesma forma que os alimentos, o País conforme o senhor citou, está na primeira divisão mundial na área de bioenergia. O Brasil está preparado para isso?

Marcos Fava Neves: Não está. Vejam o que esta acontecendo no caso do etanol. O ano de 2011 foi um ano de muitas oportunidades perdidas, deixando de trazer ganhos para a sociedade brasileira. Uma primeira oportunidade perdida veio com a safra de cana 8% menor devido ao clima, às pragas e às doenças, à falta de investimentos e a outros fatores. E mais: a cana mostrou-se 2% pior em qualidade. Cerca de 100 milhões a 150 milhões de toneladas a mais poderiam ter sido produzidas, o que representaria faturamento de R$ 700 milhões a R$ 1 bilhão para a atividade agrícola. A falta dessa cana logicamente gerou menos açúcar e menos etanol. No caso do açúcar, havia espaço no mercado mundial para serem exportados mais de 2 milhões de toneladas, o que representaria pelo menos cerca de US$ 2 bilhões a mais na balança comercial. A falta de etanol trouxe outro prejuízo: a necessidade de importar mais de 1 bilhão de litros dos EUA, o que representou gasto desnecessário de quase US$ 1 bilhão na balança comercial. resultado: mais empregos maior arrecadação de tributos nos EUA. No caso do mercado interno de etanol, a oportunidade perdida foi imensa, pois a frota cresceu. Poderiam ter sido vendidos mais 10 bilhões de litros de hidratado, o que representaria faturamento próximo a R$ 18 bilhões, gerando pelo menos uns R$ 4 bilhões em tributos ao governo. Essa venda permitiria exportar petróleo e gasolina, pois o etanol ocuparia o mercado interno. Cerca de 15 a 20 novas usinas por ano seriam necessárias para o crescimento sustentável da oferta, mas apenas 5 entraram em operação no ano. Pode-se dizer que o setor de bens de capital deixou de vender algo próximo a R$ 8 bilhões, que gerariam grande valor em tributos e inúmeros empregos. Em 2011, também pouco se avançou na cogeração de eletricidade. Sem reconhecimento em preço para essa energia renovável, existiram poucos projetos. As melhores notícias vieram do uso da cana para plásticos e em projetos para novos usos, como diesel e querosene, além de outras promissoras inovações que foram apresentadas no ano. O setor sucroenergético termina 2011 com uma coleção de oportunidades perdidas, que serão maiores ainda em 2012. Quem perde com tudo isso não é o setor de cana, é a sociedade brasileira. Essas perdas geram menos exportações e mais importações, menor ajuda no combate à inflação, menos empregos, menos tributos e menos desenvolvimento.

Agrodebate: Como o setor produtivo pode induzir ou conduzir o processo para que o País explore toda sua potencialidade nas áreas de produção de alimentos e de bioenergia, sem ficar refém das ações governamentais?


Marcos Fava Neves:
 Fazer o que vem fazendo nos últimos 10 a 15 anos, onde mais do que quadruplicamos as exportações e contando com mais apoio de Brasília. Na agricultura, as tradicionais vantagens do Brasil em relação a outras regiões do mundo vêm se erodindo rapidamente. Em três anos, o preço da terra subiu 60%, os custos trabalhistas e de mão de obra crescem de maneira assustadora e sua disponibilidade cai seja pela competição com a construção civil ou outras áreas que demandam gente. Os custos de energia elétrica, do diesel, do transporte ineficiente e caro, os custos de capital recordes, os custos de licenciamentos e ambientais e os altos e complexos tributos sufocam cada vez mais as margens. Produtores de frutas relatam que produzir no Peru representa 50% do custo no Brasil. Produtores de cana dizem que seus custos saltaram 40% desde 2005. Na laranja, pomares das indústrias que tinham custo operacional de pouco mais de R$ 4 por caixa chegaram a R$ 8 em cinco anos. Idem para grãos e carnes. O Brasil se tornou um país caro. Os altos preços internacionais compensam os custos crescentes e o impacto do câmbio, permitindo que diversas cadeias apresentem lucro. Mas até quando essa situação perdurará? De um lado, a demanda mundial por alimentos não mostra nenhum tipo de arrefecimento nos próximos anos, mas o risco é que os competidores do Brasil, estimulados por preços altos e menores custos de produção, implantem novos projetos em diversos produtos. Não é difícil prever que, em poucos anos, novos e mais fortes concorrentes disputarão os mercados. Produtores de açúcar de beterraba, de suco de laranja, de outras frutas e grãos se animam e investem em seus países. Estratégias de redução de custo devem ser planejadas e implementadas. São ações privadas, mas principalmente, ações públicas. Entre as privadas, ainda há uma chance de lipoaspiração na agricultura. Metade das propriedades tem baixo conteúdo tecnológico e baixa eficiência no uso da terra. Se nas ações privadas é uma lipoaspiração, nas públicas o governo precisa é de uma cirurgia de redução de estômago, para perder entre 30% e 40% do seu peso e alocar melhor seus recursos na saúde, na educação, na infraestrutura, com qualidade e reduzir a carga tributária. Com esse projeto de curto prazo, mesmo setores com muita saúde, como a agricultura, perdem sua competitividade. O Brasil precisa pensar no médio e longo prazos.

 

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