Leitura dos Fatos do Agro e da Cana em Agosto de 2016

Leitura dos Fatos do Agro e da Cana em Agosto de 2016

Prof. Dr. Marcos Fava Neves

O que acontece com nosso agro?

Em agosto sai a estimativa do USDA para a safra norte-americana de milho e soja. Como o clima vem sendo bom, e os ratings muito positivos, é de se esperar a apresentação de números bem próximos dos recordes produtivos.

A grande notícia do mês foi a abertura do mercado norte-americano para exportações de carne bovina in natura do Brasil. Apesar da quantidade ainda ser modesta (60.000 toneladas/ano), o fato deste mercado ser aberto ajuda muito na abertura de outros mercados que usam os EUA como parâmetro, e mesmo com carga tributária de pouco mais de 20% no que exceder as 60 mil toneladas, temos condições de colocar produtos de maneira crescente.

Recente estimativa da ABIOVE coloca que o Brasil deve exportar neste ano praticamente US$ 26 bilhões em soja.

Relatório 11 (agosto) da CONAB desta safra mostra uma área plantada de 58,2 milhões de hectares, 0,6% (328 mil hectares) a mais que na safra 2014/15. A soja puxou os números, aumentando cerca de 1,2 milhão de hectares (total de 33,2 milhões de hectares. O milho safra principal teve redução de 12,2% na área (5,4 milhões de hectares) e o safrinha aumentou 10,2% atingindo 10,5 milhões de hectares.

Devemos alcançar 188,1 milhões de toneladas de grãos, 9,5% menor que as 207,8 milhões colhidas em 2014/15. O clima nos ajudou a perder quase 20 milhões de toneladas. Que pena, temos preços, mas não temos produtos para vender na quantidade que queríamos.

O que acontece com nossa cana?

Relatório da UNICA da safra 2016/17 até o final da primeira quinzena de julho mostra moagem de 261,4 milhões de toneladas, 16% acima da safra anterior. A cana destinada para açúcar está em 44,21% contra 40,15% ano passado. A quantidade de ATR está ligeiramente acima (0,63%), com 133,25 kg/t. Mas em SP, o ATR está menor (130,51).

Temos que monitorar de perto os preços do petróleo. O recente recuo para US$ 44/barril atua negativamente nos preços do açúcar. Somado à valorização do Real, voltam as pressões para redução dos preços da gasolina, impactando o etanol e o açúcar. Se bem que abre espaço para a volta da CIDE na gasolina, sem impactar o preço final.

De acordo com a FG Agro, em agosto a margem de grupos muito eficientes estava ao redor de R$ 55/ton de cana processada para o açúcar e R$ 20 para o etanol, sem se considerar o capital investido. Açúcar daria um faturamento de R$ 170/tonelada equivalente, e o etanol R$ 120.

Desempenho operacional da Odebrecht melhorou 23% na safra 2015/16, mas o custo financeiro impactou para um prejuízo de R$ 1,9 bilhão no ano. Projeta moer 31 milhões de toneladas em 2016/17. É mais um caso onde a operação é drenada pelo financeiro.

A Nova Fronteira (joint venture entre São Martinho e Petrobrás) registrou lucro líquido de R$ 148,2 milhões em 2015/16. O lucro operacional aumentou quase 80% e as despesas financeiras 6,5%.

Abengoa Brasil registrou prejuízo de R$ 162,9 milhões em 2015/16, 15% maior que o de 2014/15. Custos aumentaram e piorou a situação operacional em mais de 58%, que deu prejuízo de R$ 140 milhões. Despesas financeiras aumentaram 67%, quase R$ 390 milhões, corroendo fortemente a receita total de R$ 673 milhões. Divida chega a R$ 949 milhões, quase 33% acima do ano anterior.

São Martinho deu lucro de R$ 39,7 milhões no primeiro trimestre da safra 2016/17, 26% acima do ano passado. A receita aumentou 50%, e o Ebitda também perto disto.

Neste mês tive interessante reunião com um investidor em novos usos para a cana-de-açúcar e seus produtos derivados, compartilho aqui:

Sacaria de plástico biodegradável para big bags de fertilizantes, Brasil 40.000 ton/ano,  EUA 250.000 ton/ano em plástico;

Sacos de rafia biodegradável para utilização em mercado de sementes, entre outros;

Tubetes biodegradáveis (indústria de papel e celulose, indústria da cana – mudas);

Plástico rígido biodegradável (ex: tampinhas de Coca usariam 1,2 mi ton de açúcar ano);

Inversão do açúcar – utilização de enzima que permite quase 100% de inversão, produto sem os resíduos que a inversão ácida deixa.

Biocontrole de pragas e biofertilizantes (economia de 30 a 40% no uso destes insumos comparados à forma tradicional);

1 tonelada de cana = 65kg de plástico  (R$ 8/kg )  e   15 kg de proteínas (R$ 3/Kg)   totalizando receitas de  R$ 565 / ton de cana    

Custo de produção de 1 Kg de biopolimero e 235 gramas de proteína  equivalente a 2,45 x o custo industrial da produção de 1 Kg de açúcar + valor de venda de  2 Kg de açúcar VHP;

O que acontece com nosso açúcar?

Relatório da UNICA da safra 2016/17 até o final da primeira quinzena de julho mostra que a produção de açúcar já alcançou 13,81 milhões de toneladas e está 30% acima da safra anterior, com o tempo seco o rendimento está sendo excelente. 

Vendas de açúcar bruto e refinado de janeiro a julho de 2016 chegaram a 15,415 milhões de toneladas, 22% acima de 2015. As receitas cresceram 17%, chegando a quase US$ 5 bilhões. O preço médio foi de US$ 323/tonelada.

Perspectivas de preços ao redor de 20 cents/libra peso nos próximos dois anos. Valorização do real deve compensar um pouco as elevações de preços devido aos déficits previstos.

Usinas investem para ampliar a capacidade de produção de açúcar aumentando seu poder de decisão de alocação do caldo.

Alguns grupos também estão segurando a moagem para permitir um mix açucareiro maior. 

A Datagro elevou a perspectiva de déficit no mercado de açúcar de 7,1 para 8,9 milhões de toneladas no ciclo 2016/17 (outubro a setembro). Para 2015/16, o déficit será de 7,72 milhões de toneladas, o que dá um déficit acumulado em dois anos de mais de 16,5 milhões de toneladas.

Relatório da FAO/ONU recém divulgado aponta redução dos estoques mundiais de açúcar de 45% hoje para 39% em 2025.

Usinas já fixando a produção de 2017/18, a um preço médio, segundo a Archer, de R$ 1.509/tonelada com quase 2 milhões de toneladas fixadas. Este movimento deve continuar avançando com este patamar de preços. Nesta safra o preço médio ficou em R$ 1267/ton. São Martinho travou 150 mil toneladas a 19 cents/libra peso.

Acaba de sair uma estimativa que a safra do principal estado produtor da Índia, Maharashtra terá quebra de produção de 40% na safra que começa em outubro, devendo forçar a Índia a importar. Deve perder quase 3,5 milhões de toneladas com quase 40 usinas ficando sem cana para moer. Mais uma boa notícia, estão doces as perspectivas do açúcar!!!

O que acontece com nosso etanol?

Em termos de consumo de combustíveis automotivos, o Brasil é o quarto mercado do mundo (em 2015 foi de 2 milhões de barris por dia, algo próximo a 116 bilhões de litros). Mais de 70% são fósseis e temos uma dependência de 350 mil barris/dia. De acordo com a ANP teremos déficit de mais de 1 milhão de barris por dia à partir de 2026. A opção será a de importar ou investir para produzir internamente. Para importar, será preciso grande investimento em infraestrutura de recebimento nos portos e de transporte para dentro do país, além da formação de estoques. É lógico que nós somos pela produção interna, e de etanol.

Por ser um imposto que causa inflação, a volta da CIDE na gasolina tem este fator pesando contra, a menos que seja aplicada caso os preços do petróleo e da gasolina caiam.

Estamos importando etanol dos EUA para abastecer o Nordeste. Isto causa arrepios em muitos, mas não em mim. Quem quer vender também pode comprar. Isto é comércio, algo que deve sempre ser bilateral. 

Algumas estimativas apontam para um preço do barril do petróleo começando a subir novamente, pois a demanda vem surpreendendo, apesar dos estoques de gasolina elevados. Apontam para US$ 50 a 70 o barril neste final de ano. Mas nada que incentive novos investimentos das petrolíferas. Já o Morgan Stanley projeta números ao redor de US$ 40, sendo a média para 2016 de US$ 42 e de 2017 de US$ 51/barril. Talvez um número médio de US$ 45 neste ano e US$ 55 no próximo possam ser o que adotaremos.

O compromisso do Brasil na COP 21 em Paris foi colocado e nos leva a 50 bilhões de litros de etanol. O Governo também trabalha com o número de 54 bilhões de litros, 75% a mais que a atual safra (28 bilhões). A EPE calculou quanto seria necessário, baseando-se num critério de adição de 27% na gasolina, e a participação do etanol nos veículos de ciclo Otto chegaria a 45% em 2030. O consumo de anidro aumentaria 40,8% (7,6 bilhões de litros de gasolina equivalente em 2014 para 10,7 bilhões de litros em 2030). Já o hidratado cresceria 145%, passando de 9,3 bilhões de litros para 22,8 bilhões. O total seria de 33,5 bilhões de litros em gasolina equivalente. Para isto se necessita de 1,074 bilhão de toneladas de cana (47% a mais que hoje) e destinando mais cana para etanol. Neste momento, cerca de 51 bilhões de litros seriam de etanol de primeira geração e os outros 3 bilhões de segunda geração.

Ainda segundo a EPE em 2030 seriam demandados 41,8 bilhões de litros de gasolina, sendo que nossa capacidade atual é de 29 bilhões de litros. 12,8 bilhões de litros teriam que ser importados. Precisamos divulgar estes números para que a sociedade se mobilize para um novo ciclo de investimentos.

Desde o início da safra o Brasil exportou quase 450 milhões de litros de etanol, 121% a mais que ano passado, trazendo uma receita de US$ 207 milhões. Parte importante tem ido à Califórnia. Nos últimos 12 meses os embarques foram de 2,4 bilhões de litros.

Neste mês o açúcar nos dá melhores notícias que o etanol, apesar do imenso potencial deste, como vimos acima.

Marcos Fava Neves é Professor Titular da FEA/USP, Campus de Ribeirão Preto.

Em 2013 foi Professor Visitante Internacional da Purdue University (EUA) e desde 2006 é Professor Visitante Internacional da Universidade de Buenos Aires e Membro do Conselho da Orplana.

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