Leitura dos Fatos do Agro e da Cana em Janeiro de 2017

Leitura dos Fatos do Agro e da Cana em Janeiro de 2017

Prof. Dr. Marcos Fava Neves

O que acontece com nosso agro?

 

Começamos nossos comentários na arena econômica, afinal, é o que trás o consumo. Em relação à economia mundial, o Banco Mundial prevê um crescimento de 2,7% em 2017, um pouco acima dos 2,3% de 2016. Este crescimento se deve principalmente a um estímulo fiscal nos EUA (que participa com 22% do PIB global e 12% do comércio). EUA devem crescer 2,2% em 2017, contra 1,6% em 2016;

O Banco Mundial manifesta preocupação com os investimentos nos emergentes que representam um terço do PIB global. Com uma expectativa de recuperação dos preços das commodities, estima que os exportadores de matérias primas devem crescer 2,3%, contra os 0,3% de 2016. Esperam 6,5% para a China;

Balança comercial brasileira: superávit de US$ 47,69 bilhões em 2016 (recorde). Exportamos US$ 185,2 bilhões e importamos US$ 137,5 bilhões. É um belo resultado, mas que vem principalmente da redução das importações e não da conquista de mercados. As receitas trazidas pelo agro em 2016 ficaram abaixo de 2015 em 4%. As exportações trouxeram US$ 85 bilhões (45,9% das exportações do Brasil) e as importações cresceram 4,2%, alcançando US$ 13,6 bilhões. Com isto o saldo foi de US$ 71,3 bilhões (5,11% menor que o de 2015). Isto se justifica pelas quebras de safras de milho e soja, por fatores climáticos. Nosso desempenho em dezembro foi muito aquém de 2015, afundando os números. Vale ressaltar que 24,5% das nossas exportações do agro foram para a China.

Agro brasileiro deve se beneficiar com o crescimento de acordos comerciais. Um exemplo é o México. A onda protecionista do Trump trará retaliações de muitos países e devemos sempre lembrar que os EUA são grandes concorrentes do Brasil nas exportações do agro;

Estudo do CEPEA diz que as cadeias produtivas do agro empregam 19 milhões de pessoas no Brasil. Um número impressionante, ainda mais com as perspectivas de aumento na produção e na demanda;

A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) mudou a estimativa para 2016/17 chegando ao recorde de 215,3 milhões de toneladas de grãos, pouco mais de 1% acima da previsão anterior. Devemos crescer 15,3% em relação à ultima safra. A área cultivada é 59,1 milhões de hectares, 1,3% acima da safra 2015/16. O clima vem ajudando nas lavouras de verão. Soja deve chegar a 104 milhões de toneladas e o milho 84,5 milhões. Agroconsult estima a soja em 104,4 milhões de toneladas, volume 8,5% superior ao colhido no ciclo passado. A produtividade deve ter aumento de quase 6% (51 sacas por hectare);

Alguns problemas climáticos na Argentina e a valorização do real colocaram a soja acima de US$ 10/bushel;

Finalmente, o relatório “Outlook Fiesp 2026 – Projeções para o Agronegócio Brasileiro” prevê que o Brasil crescerá mais que a média mundial em produtos como soja, milho, açúcar e carnes. A participação do Brasil nas exportações mundiais de soja atingirá 49% em 2026 (crescendo 4,6% ao ano). No milho iremos a 23% do comércio mundial, crescendo 8,8% ao ano. No açúcar chegaremos a 50%, crescendo 2,2% ao ano. Na carne bovina, chegaremos a 18% do mercado mundial, crescendo 4,5% ao ano. Em suínos chegaremos a 10%, crescendo 3% ao ano. E o frango deve manter a participação de 41% do total importado pelo mundo. O estudo da FIESP aponta como riscos principais a queda na renda e na confiança do consumidor, a situação fiscal trazendo problemas para a política agrícola (crédito e seguro), o custo do dinheiro e uma possível onda protecionista. 

 

O que acontece com nossa cana?

 

A cana trouxe ao Brasil em 2016 quase 33% a mais de recursos, um total de US$ 11,126 bilhões;

O endividamento do setor melhorou um pouco em 2016. De acordo com a UNICA, deve encerrar a safra 2016/17 devendo um faturamento total do setor (ao redor de R$ 100 bilhões). A UNICA não acredita na volta das cerca de 80 usinas que foram desativadas. Este endividamento já chegou a 110% da safra;

O baixo investimento também comprometeu a produtividade, que segundo a UNICA deve ficar em 77 toneladas por hectare e poderia ser tranquilamente de 85 toneladas;

Hoje o capital multinacional representa ao redor de 30% do setor de cana. Já acreditaram muito mais no potencial. O problema de confiança é concentrado principalmente na imprevisibilidade do etanol;

UNICA: processamos 3,07 milhões de toneladas na segunda quinzena de dezembro, com produção de 127,36 mil toneladas de açúcar e 167,28 milhões de litros de etanol (120,97 milhões de litros de hidratado e 46,31 milhões de litros de anidro);

Na safra que começou em 1 de abril moemos 592 milhões de toneladas (0,58% a mais) ante igual intervalo do ciclo 2015/2016 (588,56 milhões de t). O mix da quinzena foi de 41,09% para açúcar e 58,91% para etanol. Na safra estamos com 46,63% e 53,37%, respectivamente, de mix;

Desde o começo produzimos de açúcar 35,20 milhões de toneladas, contra 30,4 no ano anterior (15,67% a mais). Produzimos 24,90 bilhões de litros de etanol (7,55% a menos) sendo 10,54 bilhões de litros de anidro (0,68% a mais) e 14,37 bilhões de hidratado (12,78% a menos). Vejam que interessante, só a alteração do mix feita durante a safra fez com que o Brasil produzisse praticamente 5 milhões de toneladas a mais de açúcar;

Pelo CTC a produtividade em novembro foi de apenas 66,8 toneladas de cana-de-açúcar por hectare no Centro-Sul, quebra de quase 20%;

Na quinzena o ATR melhorou 5,9%, indo a 125,35 kg. Na safra estamos com 133,83 (1,34% a mais). A produtividade de acordo com o CTC está 2,27% menor (67,6 toneladas por hectare) na quinzena.

 

O que acontece com nosso açúcar?

 

Em 2016 vendemos ao mundo o recorde de 28,576 milhões de toneladas. Comparando com o ano anterior, foram 35% a mais (21,169 milhões de toneladas em 2015). Nosso açúcar trouxe US$ 10,275 bilhões ao país. Destes, o açúcar bruto representou 21,728 milhões de toneladas e US$ 7,426 bilhões, exportados a um preço médio de US$ 346 por tonelada. Já o refinado cresceu mais, quase 55%, com 6.846 milhões de toneladas trazendo US$ 2,757 bilhões (58% a mais, pelo preço médio de US$ 403 por tonelada);

No relatório publicado em 6 de janeiro, a Organização Internacional do Açúcar (OIA) ressalta o segundo ano de déficit na oferta, que deve manter os preços mais remuneradores. Em 2015 a média foi de 14,9 cents/libra peso e em 2016 a média foi de 19,20 cents. O açúcar refinado teve preços que passaram US$ 373,25 por tonelada em 2015 para US$ 498,13 por tonelada (33% a mais);

F.O. Licht reduziu o déficit de 8,1 milhões de toneladas esperadas em novembro para 5,9 milhões de toneladas no mês passado. Sucden estima em 5 milhões de toneladas o déficit. Datagro estima o déficit em 4,36 milhões de toneladas;

O ABARES (Austrália) estima produção mundial em 2016/17 de 176,9 milhões de toneladas e 183,9 milhões de toneladas de consumo. USDA: projeção é de produção global em 2016/17 de 170,9 milhões de toneladas, e consumo de 173,6 milhões de toneladas. Interessante como os dados não batem;

OIA destacou o forte movimento no mercado em dezembro, contrastando com anos anteriores. Preços foram de 18,87 centavos de dólar por libra-peso 17,80 e terminando o mês com 19,20;

Associação de Usinas de Açúcar da Índia acredita que a produção em 2016/17 será de 22 milhões de toneladas, 4,3% menor que sua ultima estimativa devido à falta de cana-de-açúcar prejudicada pelas secas em Maharashtra. Como deve consumir cerca de 25 milhões de toneladas, haverá um tombo de quase 3 milhões, derrubando estoques. As notícias da Índia, principalmente o encerramento antecipado da safra deram sustentação ao mercado, sendo que os preços no mercado interno subiram mais de 10 por cento no mês devido à quebra esperada;

Para a São Martinho, os preços do açúcar devem ficar entre R$ 1.500 e R$ 1.600, na próxima safra, ante R$ 1.200 e R$ 1.300 na atual safra. Já fixou 470 mil toneladas do ciclo vindouro a um preço médio de 20,10 cents/lb.

Aposto que em 2017 o açúcar não nos dará motivos para reclamações.

 

O que acontece com nosso etanol?

 

As exportações do Brasil cresceram 9%, chegando a 1,72 milhão de toneladas. O valor arrecadado recuou 3% para US$ 851,7 milhões (preço médio 12% menor);

Etanol de milho: A FS Bioenergia em MT pretende esmagar 560 mil toneladas de milho produzindo cerca de 220 milhões de litros de etanol. Isto ainda gerará o farelo de milho com alto teor proteico para bovinos, suínos e aves (DDGs). Além de óleo bruto de milho. Há mais empresas americanas vindo para o MT é esta é uma nova variável no complexo cenário do agro: o etanol de milho;

Começamos o ano com duas noticias ruins. A Petrobrás não reajustou a gasolina e reajustou o diesel, impactando nos custos de produção da cana. E volta a PIS/Cofins sobre o etanol. O consumo de etanol deve cair no trimestre em comparação com os anos anteriores, abaixo de 1 bilhão de litros por mês.

Pela UNICA, as vendas de etanol pelas unidades produtoras no Centro-Sul atingiram 2,11 bilhões de litros em dezembro, sendo 74,17 milhões exportados e 2,03 bilhões ao mercado doméstico. Os volumes de vendas caíram em relação a dezembro de de 2015.  Anidro atingiu 906,52 milhões de litros em dezembro de 2016 contra 936,54 milhões em de 2015. Já o hidratado teve 1,13 bilhão de litros em dezembro de 2016 e 1,41 bilhão de litros em 2015 (queda de mais de 300 milhões de litros).

É no etanol a nossa grande dúvida, outra vez, para 2017.

 

Finalizo contando que passei um mês entre dezembro e janeiro em Sevilla, uma mágica cidade da Espanha, parte como pesquisador visitante da Universidade de Sevilla e depois natal, ano novo nesta cidade e um pouco de férias. Que país lindo, que cultura incrível, fora a gastronomia. Alia ambiente europeu, sem o clima frio agressivo da Europa nesta época do ano. As pessoas nas ruas, enfim, você sente a palavra “cidadania” sendo praticada. Bom tempo para pensar em inovações e alterações na forma de se fazer as coisas. Termino a coluna no meu último dia de trabalho aqui na Espanha, uma coluna especial. Passei a incluir Sevilla nas cidades que amo. Bom ano a todos!

 

Marcos Fava Neves é Professor Titular da FEA/USP, Campus de Ribeirão Preto. Em 2013 foi Professor Visitante Internacional da Purdue University (EUA) e desde 2006 é Professor Visitante Internacional da Universidade de Buenos Aires e Membro do Conselho da Orplana.

 

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