Os Impactos da Nova Proposta Americana de Uso de Etanol na Agricultura Brasileira

Os Impactos da Nova Proposta Americana de Uso de Etanol na Agricultura Brasileira

por Marcos Fava Neves

Este texto tem o objetivo de compartilhar minha análise sobre a proposta de mudança nas regras para o uso de combustíveis renováveis nos EUA. Acabei lendo coisas na imprensa brasileira que me preocuparam, houve certo exagero em possíveis impactos. Inicio dizendo que esta era a maior incerteza que eu considerava para a agricultura brasileira para os próximos anos. Divido a análise em cinco sessões: quais os motivos da mudança na regra de 2007 (1), qual a relação desta com a agricultura brasileira (2), o retrocesso, caso a proposta seja aceita (3), os impactos na cana brasileira (4), e considerações finais (5).

1 - Qual o motivo da mudança na regra de 2007?

Esta proposta de mudança está em consulta pela EPA (Environmental Protection Agency) desde 15 de novembro. A principal justificativa é a de que o consumo de gasolina nos EUA caiu (consumo per capita caiu 16% de 1984 a 2011 e o consumo total caiu de 142,4 bilhões de galões em 2007 para 134 bilhões em 2012) tal como o consumo do petróleo cai também mais recentemente graças ao gás de xisto. Como as metas de adição de etanol e outros biocombustíveis estabelecidas em 2007 são em volume (diferentemente do Brasil, que tem como meta uma porcentagem de 25%), a porcentagem necessária de adição de etanol na gasolina poderia passar os 10%, que são aceitos aqui, o que é chamado de “blend wall”.

A indústria de etanol americana, apesar de ter um lobby muito forte, enfrenta pesada batalha contra a indústria do petróleo, principalmente, mas também contra a indústria que usa grãos, ou seja, a indústria de carnes e até o fast-food se posiciona contra o etanol. São diários os ataques que acompanho ao etanol de milho. Estas indústrias são as grandes pressionadoras da EPA e do Congresso dos EUA, aliado ao fato do próprio produto a partir do milho não apresentar os mesmos resultados ambientais que o etanol de cana. É pressão de todos os lados.

2 - Qual a relação de um menor crescimento dos biocombustíveis nos EUA com a agricultura brasileira?

Primeiramente, vale ressaltar que qualquer país no mundo que anuncie uma mistura de biocombustível na gasolina ou no diesel de certa forma beneficia o Brasil, pois este país usará parte das suas terras, ou parte dos seus grãos ou até da sua cana, para a produção de combustíveis, ou terá que importar, caso não consiga produzir. Com isto, fica um mercado aberto para o Brasil ocupar com a produção de grãos, de açúcar ou mesmo exportar etanol para estes países. É como se removêssemos parte de um concorrente. São promissoras as notícias principalmente para a cana, pois Austrália, India, Tailândia e outros concorrentes no açúcar estão implementando e aumentando as misturas, até para fazer frente aos baixos preços do açúcar.

O biocombustível representou um empoderamento da agricultura mundial, pois transfere renda da cadeia do petróleo à cadeia produtiva agrícola, e com isto faz ampla distribuição de renda, uma vez que se trata de uma cadeia produtiva com muito mais agentes econômicos, além dos benefícios ambientais, pois é renovável e bem menos poluente. Transfere renda de um número menor de países petroleiros para um grande número de países agrícolas.

Portanto, um recuo dos EUA, o principal produtor e usuário de grãos, no uso do milho como biocombustível e no uso de outras fontes representa uma vitória da indústria do petróleo sobre a agricultura americana. É um mal sinal mundial para a indústria de biocombustíveis.

Mas os impactos não param aí e atingem o Brasil. Caso ocorresse um menor uso de milho para este combustível, além de prejudicar todos os investimentos feitos em Usinas de etanol nos EUA, liberaria milho para o mercado mundial, e os impactos seriam uma redução ainda maior nos preços do milho, que refletiria também nas outras commodities, pois com preços menores há tendência de substituição de áreas de milho por outras culturas, principalmente a soja, e acaba deprimindo os preços destas culturas também.

Fora isto, com oferta de grãos abundante e com baixos preços, ganharia muita força a produção de carnes nos EUA (frangos, suínos e em menor escala, bovinos) e muitos produtores americanos já fazem as contas para produzir mais suínos com o milho. Apesar do preço do milho mais baixo ajudar a indústria de aves e suínos brasileira, o grande crescimento da força competitiva e da produção dos EUA também afetaria, principalmente as exportações destes setores brasileiros, que vêm tendo ótimo desempenho.

Um rearranjo da oferta de grãos desta magnitude superaria o crescimento do consumo mundial e jogaria a agricultura numa grave crise por pelo menos uns 3 a 4 anos, até que a oferta e demanda se ajustassem, isto numa realidade de custos de produção bem mais elevada nos últimos anos. Perderia e muito o Brasil, com riscos sérios à nossa economia, que é puxada pelas exportações recordes do agronegócio.

3 - Caso a proposta seja aceita, ela representa um retrocesso no que foi conquistado?

Apesar das nuvens pretas, a mudança anunciada pela EPA não representa, como foi noticiado no Brasil, um retrocesso no que já foi conquistado, mas sim nas perspectivas de crescimento futuro.  Existem diversas categorias de etanol nos EUA, e a mudança propõe uma redução na meta de uso de etanol em 2014, de 18,15 bilhões de galões para 15,21 bilhões de galões. Este número é ligeiramente menor que o estipulado para 2013, de 16,55 bilhões de galões. Portanto, o mercado deixa de crescer quase 3 bilhões de galões (16% a menos).

No caso do etanol de milho, a meta era de 14,4 bilhões de galões para 2014, e deve ficar em cerca de 13 bilhões de galões. Em 2013 este mercado deve ser ao redor de 13,8 bilhões de galões, portanto perde-se 800 milhões de galões. As alternativas para escoar a produção do etanol de milho nos EUA são o E15 e o E85, mas estes tem dificuldade de decolar e serão tema de próximo artigo.

Os EUA não recuaram, não vão deixar de usar o milho. Simplesmente não irão crescer. Porém, continuarão usando cerca de 35 a 40% da safra, uma quantidade de 120 a 125 milhões de toneladas de milho para etanol. Devemos ainda lembrar que havia o teto de 15 bilhões de galões para o uso do milho na norma de 2007.

Também é voz corrente nos EUA que esta mudança será questionada judicialmente, pois há correntes que dizem que o argumento para a mudança não se verifica, uma vez que não há limitações de produção e até quem questiona se a EPA pode fazer esta mudança. Esta aí colocada a situação do momento.

4 – Quais os impactos na cana brasileira caso seja aprovada como está?

Nos biocombustíveis avançados, onde entra o etanol de cana e o biodiesel de soja, a meta de uso cai de 3,2 bilhões de galões para 2,2 bilhões de galões em 2014. Em 2013 devem ser consumidos ao redor de 2,75 bilhões de galões. Vale ressaltar que entre estes combustíveis, o biodiesel de soja enfrenta muita reação também, afinal a soja é alimento, e o etanol brasileiro recebe críticas por ser importado.

O principal impacto negativo é que a esperança de exportar grandes quantidades de etanol aos EUA, seguindo o crescimento que era esperado para o etanol avançado na norma de 2007, não se mostra mais tão promissora. Este ano o Brasil exportará pouco mais de 1,5 bilhão de litros aos EUA. Em 2014 o mercado americano, onde se enquadra o etanol de cana será no total, de 8,8 bilhão de litros. Prefiro não ser tão pessimista quanto os que dizem que nosso espaço fica limitado a uma quantidade como a exportada este ano. Teremos outros competidores, mas vai depender da competitividade do etanol de cana conquistar mais espaço dentro deste limite. Ainda é um limite alto.

5 - Considerações Finais

Como explorei aqui, apesar das manchetes negativas no Brasil, prefiro ter uma leitura mais otimista. O mercado americano continua, temos boas chances na Florida, Califórnia e outros estados litorâneos, e nosso principal alvo mesmo continua sendo o mercado interno de etanol, onde a Petrobrás divulgou um estudo que mostra que apenas 23% dos carros flex utilizam etanol, e em 2009, a proporção era de 66%. Assim que houver o reajuste de preços da gasolina e a nova fórmula seja implementada e ocorrer uma ligeira alteração desta equação de consumo com virada da enorme frota flex para o etanol, muda radicalmente todo o quadro de crise no setor.

Pena que nosso Governo esteja com uma leitura equivocada na questão dos combustíveis, e tenha sistematicamente ignorado a opinião praticamente unânime de todos os cientistas do setor. Jogou o peso do controle da inflação de 2013, que é de toda a sociedade, em cima da Petrobrás e seus acionistas, e nas costas das Usinas e dos fornecedores de cana, que representam uma parcela, muito pequena, da nossa sociedade. O controle inflacionário é um custo de todos, e não de pequena parcela dos brasileiros. Não foi justa a decisão do Governo Federal. São e serão dolorosos os resultados deste erro de política pública.

Resta agora não somente à UNICA, mas à ORPLANA e às diversas associações de produtores de grãos no Brasil monitorarem e até participarem, se bem vindas forem, da reação coordenada à esta mudança, se juntando às associações dos EUA, uma vez que a consulta está aberta.

Argumentos ambientais e sociais não faltam, pois é, antes de mais nada, uma batalha do petróleo contra a agricultura, contra o meio-ambiente e contra a distribuição de renda que o biocombustível representa em relação ao petróleo. Eu, com viés econômico, social e ambiental, estou do lado da agricultura nesta batalha... Prova disto é que aqui nos EUA só abasteço com E85.

MARCOS FAVA NEVES é professor titular na FEA/USP Campus Ribeirão Preto e Professor Visitante Internacional da Purdue University (EUA) em 2013 ([email protected])

Texto feito especialmente para o Portal NovaCana, em 23 de Novembro de 2013

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