Uma contribuição ao constante repensar da universidade pública

Uma contribuição ao constante repensar da universidade pública

 

Prof. Dr. Marcos Fava Neves, Universidade de São Paulo

Neste momento, quando repensamos a universidade pública e os debates estão mais intensos, principalmente na USP, que se encontra em grave crise financeira e com perda de posições em rankings internacionais,  gostaria de contribuir com esse debate com algumas sugestões, baseadas em experiências nacionais e internacionais com os setores público, privado e universidades. 

Compartilho com o leitor, que receio que esteja acontecendo no ensino superior brasileiro, o mesmo que ocorreu no ensino fundamental e médio, que foi a deterioração do público e a substituição pelo sistema privado. Precisamos impedir isto.

Como o debate fica sempre muito centrado na questão da administração e do poder na universidade, em temas como eleição de reitor e representatividade das categorias em colegiados, entendo que esse tema está sendo bem coberto. Portanto, o intuito aqui é apenas o de contribuir com ideias para somarem no debate que está acontecendo em três áreas que, às vezes, não recebem a mesma atenção: a busca pela excelência, a gestão de custos e o financiamento do sistema universitário.

1 – A busca constante pela excelência e pelos anseios da demanda pelos estudantes formados. Entendo que muitas vezes o sistema universitário necessita fortalecer e criar novas pontes com o mundo externo e com a sociedade que financia a universidade. As universidades devem observar as oportunidades que se abrem globalmente em termos dos grandes temas de ensino, pesquisa e extensão, repensar e perguntar à demanda externa pelos estudantes formados, seja em organizações públicas ou privadas, se seus anseios estão sendo satisfeitos com a formação de nossos graduandos. Não é o que sinto hoje de nossas universidades interagindo com o mundo externo.

Cada unidade de nossas universidades deve ter seus objetivos de excelência e identificar quais as universidades mundiais que são fontes de inspiração, de busca de boas ideias, conteúdos e projetos. Nossas universidades precisam buscar inserção internacional. Em 2013 lecionei numa grande universidade pública dos EUA, onde um terço dos estudantes era asiático, trazendo, além de recursos, o ambiente de discussão internacional.

2 – Controle de custos. Há ainda muitas atividades redundantes na universidade e certa acomodação no controle de custos. A pergunta a ser feita é: que ativos podem ser mais utilizados, quais sistemas digitais para compartilhamento, o que pode ser terceirizado, entre outros. Buscar otimização na questão de deslocamentos, gestão de frotas, de compras, etc. Será que todas as unidades precisam ter áreas de compras, ou bastaria uma área qualificada por cada campus, licitando e comprando em conjunto, em grandes volumes? Cada unidade precisa ter carros, ou bastaria um sistema de locação por uso, baseado numa grande e bem negociada licitação? São algumas dúvidas que merecem estudo na questão dos custos.

3 – Financiamento e Internacionalização. No caso da USP, a sociedade paulista delegou a autonomia na gestão de seus recursos. Dedica importante parte do orçamento de seu ICMS para as universidades públicas. Reza a boa administração que nunca deveríamos ultrapassar 80% do comprometimento deste recurso com pessoal.

A USP chegou a 105%, de maneira quase que irresponsável. Somos todos culpados, uns pela omissão, outros pela tomada de decisões que levaram a tal quadro. Na minha visão, agora não é o momento de afrontar a sociedade paulista com uma greve; afinal, a sociedade tem todo ano nos dado mais recursos em termos reais.

Agora é o momento de pedir desculpas à sociedade e propor um plano de adequação. Sou contra solicitar aumento de repasses de ICMS, pois acompanho outras áreas do Estado que precisam de recursos, tais como segurança, ensino publico fundamental e médio, saúde, entre outros. A universidade tem musculatura para complementar seu orçamento com outras fontes de receita, e isto deve ser estimulado. Porém, o que é de direito da USP, deve ser repassado. Se em algum momento foi repassado menos ou se deveria ser sobre o imposto integral, é algo a se discutir e acertar.

Tive duas experiências internacionais em escolas de destaque mundial (entre as 20). Em Wageningen, na Holanda (1998 e 1999) e na Purdue University, Indiana/EUA (2013). Ambas são públicas, porém são pagas. É o momento de mudarmos o sistema e cobrar mensalidades nas universidades públicas do Brasil, e com isso poder pagar salários mais adequados e ter muito mais recursos para investimentos em pesquisas e produções acadêmicas, premiando ainda mais o mérito dentro da USP e do sistema universitário. É comprovado que este sistema penaliza os que têm menos acesso a recursos e beneficia quem tem, piorando a concentração de renda no Brasil.

A cobrança não deve ser feita dos estudantes atuais, pois estes não se planejaram para isto e tomaram sua decisão de fazer ou não a USP e as outras universidades baseados também no aspecto da gratuidade. Poderia ser aplicado aos ingressantes. Se for necessário mudar a Constituição, que façamos.

Cada unidade fortaleceria sua área financeira e poderia ter sua política de preços e bolsas de estudo com os programas de inclusão e permanência, afinal cada uma compete num ambiente diferente. Parte das mensalidades seria repassada para a administração central da USP. Na universidade de Purdue, o aluno cuja família é de Indiana, portanto coletando seus impostos neste Estado, paga menos que os estudantes de outros estados e do que os estudantes internacionais.

Tudo a ser amplamente discutido e equacionado para possibilitar que importantes áreas do conhecimento, mas que não tem a mesma atratividade para os estudantes, possam manter suas atividades de ensino e pesquisa com qualidade.

Penso também que deveríamos criar cotas para estudantes internacionais, que pagariam o preço integral e, com isto, começar a receber talentos, a princípio dos países da América do Sul e Central, e depois, com nossa efetiva internacionalização, receber alunos do mundo todo.

Cada unidade tendo seu orçamento advindo das mensalidades, pode permitir também contratos temporários com docentes internacionais, que viriam para períodos de um a quatro anos, para darem aulas, orientarem alunos e oxigenarem nossos departamentos, sendo remunerados por isto. Será um grande ganho de qualidade, também por possibilitar aos estudantes,  uma cobrança por mais qualidade de ensino.

Como último ponto de contribuição, na linha de financiamento para a USP e outras universidades públicas, as fundações devem ser fortalecidas como entidades irmãs conveniadas para realização de projetos públicos e privados, visando complementar os recursos de cada unidade e da USP.

As Faculdades devem ser fortalecidas para oferecerem cursos pagos de pós-graduação à comunidade via suas Fundações, para melhor uso das instalações da USP em finais de semana e em outros momentos de ociosidade. Desta forma contribuirá cada vez mais para formação de quadros para as organizações de São Paulo e do Brasil, tornando-as mais competitivas e mais geradoras de impostos, entre eles o ICMS. Neste caso, nossos professores poderão se inserir no ambiente das organizações externas à USP, permitindo mais pesquisas e publicações.

A avaliação docente deve caminhar também para valorizar sua contribuição em captação de projetos e recursos externos, privados e públicos, para potencializar a universidade no contexto da sociedade, abrindo-a para todos.

Volto a dizer que temos que impedir que aconteça no sistema universitário o que se observou no ensino fundamental e médio. Desde já ressalto que críticos a essas ideias vêm afirmando se tratar de privatização da USP. Temos aqui um problema de conceito. Privatização significa a concessão ou venda de um ativo público para gestão privada. Imagino que privatizar a USP seria completamente sem sentido.

Penso que estas ideias tem o intuito de somar à discussão existente, mas tudo que foi colocado acontece em pelo menos 90% das universidades que lideram rankings mundiais. Se quisermos colocar a USP entre as vinte, dentro de dez anos, sugiro que este possa ser um modelo a ser discutido e considerado. Vamos pensar e reinventar a USP.

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Marcos Fava Neves é Professor Titular da FEA/USP Campus de Ribeirão Preto.

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